A INTERVENÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA COMO “CUSTÖS VULNERABILIS” EM FAVOR DA PESSOA PRESA PROVISORIAMENTE

Resumo

Este caso, apresentado pela Defensoria Pública do Estado do Ceará, relaciona-se ao sistema prisional e à execução penal. Inserindo-se nos números catastróficos do cárcere brasileiro, na Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Clodoaldo Pinto (CPPL II), localizada em Itaitinga-CE, de um total de 1.406 internos, cerca de 220 encontram-se encarcerados há mais de um ano sem que haja sequer sentença condenatória em primeiro grau de jurisdição no processo pelo qual tem mandado de prisão preventiva, sendo que mais de 50 já se encontram nesta situação há tempo superior a dois anos. Nesse contexto, a atuação da Defensoria Pública, por meio do Núcleo de Apoio ao Preso Provisório (NUAPP), dá-se mediante a realização de visitas, atendimentos e inspeções regulares nos presídios da Região Metropolitana de Fortaleza,  intervindo como “custös vulnerabilis” em favor dos presos provisórios.

O Caso

 

Nome da/o(s) Participante(s):
Jorge B Heron Rocha – Defensor Público do Estado do Ceará

Instituição: Defensoria Pública do Estado do Ceará

Estado: Ceará

I – Resumo da Situação-Problema
O Brasil conta atualmente com mais de 622 mil pessoas encarceradas, que disputam o espaço de 371.884 vagas no sistema, ou seja, faltam 250.318 vagas, (taxa de ocupação de 167%), segundo dados da situação da população prisional brasileira feitos no Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), realizada em dezembro de 2014. Ressalte-se que o número de presos no ano de 2000 era de 232.755. Infelizmente, apesar de o STF no julgamento da ADPF 347 ter reconhecido o chamado “Estado de Coisas Inconstitucional” relativo às violações impostas aos presos em condições indignas, desumanas e efetivamente cruéis, violações estas de direitos fundamentais das pessoas encarceradas perpetradas pelo próprio Poder Público, não há no horizonte atual nenhuma política pública séria que se verifique impactar nos números catastróficos do cárcere brasileiro.

Ao revés, vê-se recrudescer um irrazoável pensamento punitivista de vingança, que culmina com criminalização de mais condutas, elevações de pena de condutas já criminalizadas, propostas de endurecimento nas regras de progressão de regime e restrições às hipóteses de indulto e comutação de penas no decreto presidencial. É despiciendo salientar que a prisão em todo o mundo passa por uma crise sem precedentes, falseando a ideia disseminada a partir do século XIX segundo a qual a prisão seria a principal resposta penológica na prevenção e repressão ao crime, predominando atualmente “uma atitude pessimista, que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional”. Ademais, segundo relatório do Conselho Nacional da Justiça em relação aos condenados a penas privativas de liberdade, “a cada quatro apenados, um é reincidente legalmente”, e, noutra vertente, a reincidência entre os réus beneficiados pela suspensão condicional do processo, que não tenham passado por anterior prisão provisória, o número é de 17,2%, conforme pesquisa feita pelo Grupo Candango de Criminologia da Universidade de Brasília. Ora, entre 2008 e 2011 (antes da lei 12.403/2011) a taxa de encarceramento provisório subiu em 3% (de 31% para 34%), contraditoriamente após a disponibilização de inúmeras medidas cautelares diversas da prisão pela referida lei, entre 2011 e 2014 este percentual subiu de 34% para 40% (aumento de 6% – o dobro do anteriormente verificado). Conforme levantamento do INFOPEN, do total de 622.202 presos um número de cerca de 250 mil, 40,13% são presos provisórios, ou seja, cuja prisão não se baseia em uma pena transitada em julgado. No Estado do Ceará, este percentual chega a 48,49% das pessoas presas.

Segundo as pesquisas realizada pela 7ª Defensoria Pública do Núcleo Apoio do Preso Provisório, feita na Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Clodoaldo Pinto (CPPL II) localizada em Itaitinga-CE, de um total de 1.406 internos, cerca de 220 estão encarcerados há mais de um ano sem que haja sequer sentença condenatória em primeiro grau de jurisdição no processo pelo qual tem mandado de prisão preventiva. Mais de 50 já se encontram nesta situação a tempo superior a dois anos. Dentre estas pessoas presas com tempo excessivo, muitas, pelo menos formalmente, tem advogados constituídos no processo, entretanto, eles não costumam manter contato direito, senão por intermédio de familiares. Muitos também não têm qualquer contato com familiares ou amigos, permanecem completamente esquecidos do mundo exterior e tem como únicas relações sociais as quem mantém com os próprios companheiros de cárcere. São pessoas que concentram diversas vulnerabilidade; a do encarceramento, a social, em razão da saúde e principalmente econômica. Na lição de Carnelutti “ O mais pobre de todos os pobres é o preso, encarcerado! ”

 

II – Resumo da Ação e/ou Medidas Judiciais; Extrajudiciais e/ou Políticas Adotadas
Diante desta situação, a prima facie, poder-se-ia aduzir que não caberia à Defensoria Pública atuar em processo onde houvesse já um procurador judicial com poderes outorgados diretamente pela pessoa presa. Entretanto, pode a Defensoria Pública passar a atuar como órgão interveniente na condição de “custös vulnerabilis”, uma vez que a Constituição Federal, intentando fazer cumprir o objetivo de redução das desigualdades e erradicação da pobreza (art. 3º, III, CRFB), garantindo, a todos, o acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CRFB), como forma de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CRFB), independente de origem, cor, raça, posição social, gênero ou orientação sexual, convicção filosófica, política ou religiosa, idade, entre outros (art. 3º, IV, CRFB) que o constituinte originário erigiu em favor dos necessitados (art. 5º, LXXIV, CRFB) uma Instituição especialmente dedicada à sua orientação, defesa e promoção jurídicas – a Defensoria Pública (art. 134, caput, CRFB).

Assim, a Defensoria Pública tem com o missão atuar nos estabelecimentos penitenciários, visando a assegurar às pessoas, sob quaisquer circunstâncias, o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais (art. 4º, X e XII, LC 80/94), constituindo-se órgão de execução penal (art. 61, XVIII, Lei 7.210/84), que deverá velar pela regular execução da pena, da medida de segurança (art. 81-A, Lei 7.210/84) e da prisão provisória (parágrafo único, Art. 2º, Lei 7.210/84), resultando que lhe é possível atuar, para o fiel cumprimento de sua missão constitucional, como um terceiro interveniente sem substituir ou dispensar o procurador judicial do acusado, uma vez que este já se encontra suficientemente representado no feito em análise por membro da advocacia privada, que presta serviço público e exerce função social (art. 2º, §1º, EOAB) indispensáveis à administração da justiça (art. 133, CRFB), cuja atuação está protegida pelo Princípio do Defensor privado, neste caso – Natural (art. 5º, LIII, CRFB).

Assim, a atuação do Defensor Público pode se dar em apresentação da própria instituição Defensoria Pública, em nome próprio e no regular exercício de sua Procuratura Constitucional de Provedor das vulnerabilidades que se encontrem os indivíduos ou as coletividades, conforme inscrito no art. 134 e em consonância com os fundamentos, objetivos, direitos e garantias proclamados pela Constituição Federal. Assim, a Defensoria Pública é um órgão interveniente na execução penal para a defesa em todos os graus e instâncias das pessoas encarceradas, que se configuram individual e coletivamente, uma massa vulnerável organizacionalmente, em razão da dificuldade de recursos para mobilizar sua defesa, das limitações lógicas de locomoção e de contato com o mundo exterior, inclusive com seu procurador judicial que tem dia e hora para lhe visitar e conversar reservadamente, não podendo por exemplo, lhe apresentar em toda a extensão os elementos de prova que tem a acusação, nem mesmo os próprios elementos de defesa como testemunhas, filmagens, lugares ou objetos.

Por fim, vale ressaltar que a atuação do NUAPP não se dá apenas de forma individualizada, ao revés, grande parte de sua atuação, em obediência às prescrições constitucionais e legais que norteiam a atuação da Defensoria Pública, se dão de forma coletiva, com as inspeções que são realizadas nos estabelecimentos prisionais, verificadas as instalações, as condições de higiene, dormitórios, alimentação, etc.

II.1 Medidas Judiciais Concretamente

O Núcleo de Apoio ao Preso Provisório atua diretamente nos estabelecimento de privação provisória de liberdade, e com as prerrogativas que são asseguradas à instituição e aos seus membros, a Defensoria Pública – a quem a Constituição incumbe a promoção dos direitos humanos – poderia, como pode, carrear ao autos dos processos penais informações e argumentos aptos a colaborar, não apenas com o contraditório substancial, mas e principalmente, auxiliar a esclarecer aspectos importantes das condições do preso, do estabelecimento prisional, a fim de analisar especificamente cada caso e encontrar, dentre as possibilidades existentes, uma solução para a liberdade e (re)constituição social da pessoa ergastulada. Foi neste sentido que, como experiência prática, a família do preso provisório S.S.S. procurou a Defensoria Pública, por saber que existe em sua estrutura orgânica o NUAPP e que este realiza visitas, atendimentos e inspeções regulares nos presídios da Região Metropolitana de Fortaleza, o que possibilitou o pedido de ingresso da Instituição como terceiro interveniente levando aos autos do incidente de insanidade mental informações imprescindíveis para a mais adequado tratamento do acusado, que, certamente, não seria no cárcere onde se encontrava.

 II.2 Medidas Extrajudiciais Extrajudicialmente, e, principalmente na seara administrativa, é amplo o leque de atuação do NUAPP, podendo obter desde certidões e declarações para o exercício de direitos, até a transferência de presos para enfermarias ou o requerimento de visitas médicas e o fornecimento de medicamentos ou alimentos especiais em decorrência de características alimentares diagnosticadas. De fato, um dos objetivos do atendimento realizado semanalmente na CPPL II é o registro de questões de saúde relatadas pelos internos. Muitos referem coceiras, tosses, insônias e outros males. Tais reclamações acerca da saúde são encaminhadas ao departamento de saúde para providências. Também os presos referem problemas nas visitas, principalmente visitas íntimas, tendo em vista uma série de requisitos que são impostos pela Secretaria de Justiça, nomeadamente os que estão previstos no Regimento Geral dos Estabelecimentos Prisionais do Ceará, aprovado pela Portaria nº 0240/2010. A maioria dos casos podem ser resolvidos mediante requerimentos administrativos, demonstrando uma melhor interpretação das disposições, bem como sua necessária compatibilidade com as leis e a Constituição. A título de exemplo, lapidar é o caso de preso que fora encaminhado às pressas para hospital externo para atendimento de emergência em que o NUAPP solicitou ao departamento de Assistência Social o encaminhamento do prontuário médico para as medidas cabíveis.

II.3 Políticas Adotadas

Assim, com a intervenção da Defensoria Pública como “custös vulnerabilis” em favor dos presos provisórios, sem retirar o protagonismo jurídico dos procuradores judiciais, poder-se-á levar o atendimento multidisciplinar da instituição a esta categoria de vulneráveis. A prestação de prestar atendimento interdisciplinar, por meio de órgãos ou de servidores de suas Carreiras de apoio para o exercício de suas atribuições é uma das funções institucionais da Defensoria Pública, e particularmente do Núcleo de Apoio ao Preso Provisório, inclusive prevista na Resolução nº 31/201, que o regulamenta, a realização da promoção da assistência integral social e psicológica prestada por profissionais da área respectiva, além da jurídica é claro, de forma que promova a reinserção social dos indivíduos provisoriamente privados de sua liberdade. Também faz parte do planejamento a retomada do acertamento da parceria com a Secretaria de Ação Social do Estado e do Município, iniciadas no ano de 2012/2013, a fim de prover vagas no PRONATEC dos egressos do sistema prisional, inclusive com a comunicação ao Juízo para que este possa levar em conta como razão de revogação da prisão preventiva o fato que o acusado se integrar ao programa de capacitação técnica.

III – Parceiros Envolvidos

Muitos são os parceiros aptos a contribuir com esta atuação da Defensoria Pública como Curadora dos Presos Provisórios, ou seja, independente de outorga de procuração, em prol da efetivação dos Direitos Humanos da população carcerária. A Secretaria de Justiça surge como uma grande parceira, tendo em vista que a maior parte dos requerimentos administrativos são a ela dirigidos, seja para providenciar certidões e declarações para exercícios de direitos, seja para providenciar instalações mais consentâneas com a dignidade humana, seja para reapreciar e deferir solicitações de regularização de visitas, entre outras hipóteses. As demais Secretarias também podem realizar importante papel, com a Secretaria de Segurança Púbica, responsável pela identificação civil, a quem a Defensoria pode acionar para identificação de presos, sejam ele assistidos pela instituição ou não; Secretaria de Saúde, para realizar campanhas de prevenção, ministrar vacinas necessárias; Secretaria de Ação Social, a fim de implantar políticas como o PRONATEC, etc. As Universidades também são grandes parceiras, relevando de importâncias convênios já firmados com duas Instituições de Ensino Superior para análise de processos e verificação de possibilidades de requerimento de peido de benefícios. Estas análises poderão ser realizadas em todo os autos, em razão da possibilidade de intervenção “custös vulnerabilis”.

 

IV – Resumo dos Resultados Obtidos

A atuação” custös vulnerabilis” da Defensoria Pública é ainda uma atuação em gestação, mas que já aponta para as grandes resultados futuros, figurando, como principais: a) humanização do atendimento à pessoa encarcerada: os presos poderão ter um atendimento jurídico, social e psicológico da instituição, independente de ter outorgado procuração para advogado particular representá-lo judicialmente nos autos do processo penal a que responde perante à Vara criminal, tendo em vista que a atuação da Defensoria Pública, com este viés, não dispensa e nem substitui a importante tarefa conferida ai causídico particular. b) possibilidade concreta de diminuição da excessiva massa carcerária, uma vez que poderão ser fornecidos e utilizados elementos outros de informação, v.g. acerca da saúde física e mental do preso, para que possibilite o seu desencarceramento; c) aprimoramento dos serviços públicos oferecidos dentro das instalações carcerárias, em prol de todos os presos, uma vez que poderão relatar problemas e soluções todas as pessoas presas, e não apenas aqueles que previamente solicitaram assistência jurídica em autos de processo penal. Até o presente momento, as atuações como “custös vulnerabilis”, em prol de acusado com problemas mentais (fornecimento de informações no incidente de insanidade mental), de saúde (relatório de ocorrências e reclamações de doença dos presos ao departamento de saúde e solicitação de prontuário em hospital externo) tem se mostrado como firme esperança de solução de problemas que antes se mostravam mais penosos.

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