A LITIGÂNCIA ESTRATÉGICA DO CEDECA CEARÁ E DA DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL NO APOIO ÀS OCUPAÇÕES DAS ESCOLAS NO CEARÁ

Resumo

Este caso, apresentado pela Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA) do Ceará, trata de direitos de crianças e adolescentes, especialmente do direito à educação. Diante de uma realidade de precarização da Rede Pública Estadual de Ensino no Ceará, bem como de uma série de medidas que apontavam retrocessos para a oferta da educação pública por parte do Governo do Estado, estudantes secundaristas das redes públicas estaduais realizaram a ocupação de mais de 60 (sessenta) escolas estaduais, a fim de prestarem solidariedade às reivindicações dos docentes que entraram em greve e para demandarem o cumprimento do direito à educação pública de qualidade. A atuação articulada do CEDECA Ceará, da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará e a da Ouvidoria Externa, deu-se com a realização de Termos de Ajustamento de Conduta, utilização da mídia, além da impetração de habeas corpus com o fito de trancar investigações policiais e de fazer cessar criminalização da luta estudantil. Na apresentação detalhada do caso, estão disponíveis, também, fotos, vídeo e notícia.

O Caso

 

Nome da/o(s) Participante(s):
Marina Aráujo Braz – Bacharel em Direito – UNIFOR;  Assessora Comunitário
Dillyane de Sousa Ribeiro – Bacharel em Direito – UFC; Mestranda em Estudos de

Instituição: Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA – Ceará)

I – Resumo da Situação-Problema

Os gêneros alimentícios, conforme mencionado anteriormente. O Secretário de Educação assinou ainda Termo de Ajustamento de Conduta, comprometendo-se, perante a Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará e o Ministério Público Estadual, com uma série de cláusulas formuladas pelo movimento estudantil secundarista. Quanto à defesa técnica dos/as estudantes, o CEDECA O arquivamento de todos as investigações que tramitavam na Delegacia da Criança e do Adolescente, por meio do acompanhamento de todos os depoimentos e incidência junto à 1ª Promotoria de Justiça Auxiliar da Infância e da Juventude que requereu o arquivamento de todos os procedimentos policiais, o que foi homologado pela 5º Vara da Infância e da Juventude.

A Defensoria Pública impetrou ainda dois habeas corpus com o fito de trancar as investigações policiais contra os estudantes de duas escolas em que a própria gestão escolar não apontava a existência de qualquer dano ao patrimônio público, o que foi concedido em sede liminar pelas 1º e 3º Vara da Infância e da Juventude. É de se destacar, mais uma vez, o ineditismo do caso do Ceará na repressão estatal às ocupações estudantis, que se deu pela mais explícita criminalização do movimento estudantil, chegando a provocar a intimação de quase 300 estudantes para deporem na Delegacia da Criança e do Adolescente. No entanto, o CEDECA Ceará, a Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará e a Ouvidoria Externa conseguiram atuar pronta e articuladamente para fazer cessar a criminalização da luta estudantil.

 

No início do ano de 2016, diante de uma realidade de precarização da Rede Pública Estadual de Ensino no Ceará, bem como de uma série de medidas que apontavam retrocessos para a oferta da educação pública por parte do Governo do Estado, os/as professores/as da educação básica passaram a realizar assembleias para discutir a resistência a essas medidas e a possibilidade de um movimento paredista. O Governo do Estado do Ceará anunciou na grande mídia, para o ano de 2016, metas de contingenciamento de 20% para o financiamento destinado à pasta da Secretaria da Educação. Ademais, foi lançada a Portaria de nº 1.169/2015 acerca da lotação dos professores da rede pública estadual para o ano de 2016 que impactou drasticamente na oferta da educação básica. Após tais medidas, em abril foi deflagrado o movimento grevista por parte dos professores da rede estadual motivado principalmente pelo descumprimento da data base de reajuste salarial destes servidores, da demissão de 4.000 professores temporários e da extinção da função pedagógica de professor coordenador de área (PCA).

Em todo o Brasil, nos anos de 2015 e 2016, estudantes secundaristas das redes públicas estaduais protagonizaram importantes reivindicações para, além de prestar solidariedade às reivindicações docentes, demandar o cumprimento do direito à educação pública de qualidade. No Ceará, de abril a agosto de 2016, mais de 60 (sessenta) escolas da rede estadual foram ocupadas por estudantes como forma de denunciar os problemas instaurados e exigir condições básicas para melhorias das escolas públicas e do ensino. Os estudantes secundaristas mobilizados reivindicavam, entre outras pautas, a melhoria da merenda escolar, a reforma da infraestrutura dos prédios escolares, a maior democratização da gestão escolar e a inclusão de temáticas de gênero e o combate à discriminação nos currículos escolares. No dia 28 de abril do referido ano foi realizada a primeira ocupação no Centro de Atenção Integrada Maria Alves Carioca, escola pública estadual de ensino fundamental e médio localizada no Bairro Bom Jardim, periferia da cidade de Fortaleza. A equipe do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA Ceará), assim como a equipe da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará em articulação com a Ouvidoria Geral Externa da Defensoria Pública do Estado do Ceará, realizou várias visitas às escolas ocupadas no Estado e nessas oportunidades, também, foi possível constatar uma série de violações ao direito à educação. Dentre as violações, apontou-se, principalmente, a não garantia do princípio da prioridade absoluta no gasto público em educação, infraestrutura precária dos prédios e espaços escolares, água contaminada em bebedouros, oferta irregular da alimentação escolar, a desvalorização dos professores e a demissão de profissionais terceirizados. Como primeira resposta às mobilizações estudantis, principalmente no que se referiam as reivindicações acerca da irregularidade na oferta da alimentação escolar e da infraestrutura precária dos prédios escolares, o Governo do Estado emitiu nota afirmando que o valor de R$ 0,30 para merenda por estudante, por dia, é de única responsabilidade do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), e, portanto, de repasse de recursos federais. Dessa forma, o Governo afirmou publicamente que não havia contribuição financeira do Estado do Ceará no que diz respeito à alimentação escolar. No entanto, sob forte mobilização estudantil, posteriormente o Governador anunciou um pacote de R$ 140 milhões em investimentos para manutenção das unidades e incremento na verba da merenda escolar. O pacote consistia no repasse imediato de R$ 32 milhões para reformar as escolas estaduais e R$ 6,4 milhões para complementar a merenda com gêneros alimentícios (arroz, feijão, macarrão, massa de milho e açúcar).

Em resposta ao posicionamento do Poder Público Estadual, o CEDECA Ceará lançou, em maio de 2016, a Nota Técnica: “Alimentação de qualidade: direito do/a estudante, dever do Estado. Uma análise do orçamento público e do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE”. Os dados levantados pelo CEDECA Ceará apontaram uma baixíssima execução orçamentária dos recursos destinados à merenda escolar que não passaram de 5% em abril de 2016. Dessa forma, ainda que a origem desses recursos fosse exclusivamente o Programa Nacional de Alimentação Escolar, o Governo do Estado não investiu sequer os R$ 0,30 (trinta centavos) por aluno, repassados pelo Governo Federal entre janeiro e abril de 2016, e previstos na Lei Orçamentária Anual então vigente. Nesse contexto, a luta dos estudantes mobilizou muitos parceiros/as. A exemplo, o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDCA) manifestou, por meio de Nota Pública, seu apoio ao movimento estudantil secundarista: “Esses (as) adolescentes, manifestando-se pela efetivação do direito à educação em sua plenitude, encontram-se no exercício do direito à participação. O direito à participação abrange: a participação da criança e adolescente em todas as decisões que lhes digam respeito e a participação da sociedade nas políticas públicas voltadas ao segmento infanto-juvenil, e encontra respaldo Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (Artigo 12), na Constituição Federal brasileira (Art. 227 c/c Art.204, II) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Artigos 4o, 16 e 53, IV). Assim, constituem-se direitos de criança e adolescentes: a liberdade de opinião e manifestação, a participação na vida comunitária e política e o direito de organização. ” Em julho de 2016, os/as estudantes elaboraram, em conjunto com o Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará e o CEDECA Ceará, uma proposta de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que, em mais de 25 (vinte e cinco) cláusulas sintetizava as principais demandas referentes à efetivação do direito à educação. Uma das cláusulas trazia o compromisso de a SEDUC fazer cumprir o cardápio escolar elaborado e disponibilizado pela própria Secretaria em sua página eletrônica. No entanto, decorridos mais de três meses de ocupações das escolas, a proposta de TAC ainda não havia sido firmada pelo titular da pasta da Educação no Estado. Somente em agosto de 2016, a Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará, juntamente com o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) e a Secretaria da Educação do Estado do Ceará (SEDUC) firmaram um TAC com dez cláusulas acerca de algumas das questões suscitadas pelo movimento secundarista. Dentre as cláusulas firmadas no TAC, destaca-se que o Secretário de Educação do Governo do Estado do Ceará firmou o compromisso de “se abster da aplicação aos discentes de sanções que tenham por única motivação a mera participação, a qualquer título, daqueles no movimento de ocupação, devendo expedir orientação, nesse mesmo sentido, às direções escolares” (Cláusula 8ª).

Diante de todo o processo de mobilização, que revelou o exercício da participação política e do protagonismo de adolescentes na luta por uma educação pública de qualidade, a SEDUC enfrentou intensa pressão popular e denúncias na imprensa pelas violações ao direito à educação. A experiência de luta das ocupações de escolas públicas em 2016 foi inédita no Estado no Ceará. No dia 5 de agosto de 2016, após o final do processo das ocupações das escolas, a SEDUC protocolou 25 (vinte e cinto) notícias-crime, que correspondiam respectivamente a 25 (vinte e cinto) escolas públicas estaduais que foram ocupadas, alegando suposta e genericamente a ocorrência de dano ao patrimônio público perpetrada pelos estudantes secundaristas que participaram das ocupações. A cada notícia-crime anexou-se um relatório produzido pela gestão das respectivas escolas. Dessa forma, recebidas as notícias-crime pelo Delegado Geral de Polícia e encaminhadas à Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), todos os adolescentes mencionados nos relatórios anexos às notícias-crime foram intimados a comparecer à DCA para prestar depoimento. Estima-se, segundo os procedimentos policiais disponibilizados pela Delegacia, que mais de 300 estudantes, bem como seus respectivos responsáveis, teriam sido notificados para comparecer à Delegacia entre os meses de agosto e setembro de 2016.

Os depoimentos dos adolescentes notificados pela Delegacia foram acompanhados cotidianamente pela assessoria jurídica do CEDECA Ceará, e, através da atuação e articulação da Ouvidoria Geral Externa da Defensoria Pública do Estado do Ceará com a Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará, envolveram-se no acompanhamento os/as Defensores/as Públicos/as do Grupo de Trabalho em Apoio aos Movimentos Sociais, do Núcleo de Atendimento Especializado aos Adolescentes em Conflito com a Lei (NUAJA) e do Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública à Infância e Juventude (NADIJ). Na ocasião das tomadas de depoimentos, foi possível observar diversas violações, como a ausência de qualquer individualização da conduta e/ou identificação do ato infracional atribuído. Constatou-se também o caráter criminalizador dos movimentos sociais que permeou os procedimentos de investigação na Delegacia, uma vez que foram feitas perguntas sem qualquer correlação com a apuração de possíveis atos infracionais ou criminosos, tais como a insistente pergunta sobre uma liderança do movimento ou se haveria alguma organização política atuando nas movimentações. Cabe destacar que os relatórios apresentados pela SEDUC, que subsidiaram as notícias-crime, fizeram um levantamento perfunctório e pouco criterioso dos bens escolares, sem citar, por exemplo, o número sob o qual os bens supostamente ausentes estariam tombados. Ademais, os levantamentos patrimoniais dos supostos danos às instalações não foram precisos quanto às datas das ocorrências. Não se sabia se ocorreram antes, durante, ou após as ocupações, havendo relatos por parte de estudantes de que os danos apresentados nos relatórios eram anteriores às ocupações. Os relatórios traziam, além do levantamento impreciso da condição patrimonial e da estrutura física da escola, uma lista de estudantes que estariam participando do movimento das ocupações. Tais relações foram feitas também sem critério: à priori, partia-se do pressuposto que os estudantes participantes do movimento de ocupações seriam responsáveis por todos os eventuais danos ou furtos de equipamentos supostamente ocorridos nas escolas.

Houve casos em que parte dos estudantes relacionados sequer havia participado da ocupação. Sobre esse fato, o Defensor Público Estadual Elinton Menezes, em uma matéria no jornal local de grande circulação, assim se manifestou: “Não é porque alguém morreu na cidade que a cidade inteira será chamada. Alunos que nem estavam nas ocupações foram chamados. [A investigação] ocorre de forma precipitada”. Mais do que isso, as queixas crimes não estabeleceram qualquer relação entre as ações praticadas pelos estudantes e os supostos danos ao patrimônio público. Não se vislumbrou qualquer indício de autoria e não houve a individualização das condutas dos estudantes relacionados nas queixas crimes. Agravando ainda mais tal fato, havia ainda várias notícias-crime embasadas em relatórios que não apontam nenhuma ocorrência de dano ao patrimônio público durante as ocupações ou qualquer prática de fato típico que pudesse caracterizar ato infracional. Vejamos, a exemplo, a única descrição apontada pelo relatório produzido no dia 26 de julho de 2016 contido na Notícia-Crime referente ao procedimento nº 5093803/2016 de autoria do núcleo gestor da Escola Estadual Liceu do Conjunto Ceará: “um grupo de alunos resolveu, até então pacificamente, ocupar as dependências da escola. Até a presente data, a escola permanece ocupada e, após inspeção realizada na manhã de hoje pelo grupo gestor, constatamos apenas a violação e o uso de 5 extintores bem como alguns utensílios da cozinha e copa tais como: panelas, facas, armários e outros”.

Várias organizações de Direitos Humanos, movimentos sociais e coletivos se manifestaram em repúdio à ação da Secretaria da Educação, por iniciar uma perseguição sem precedentes às/aos jovens das escolas que gerou conflitos familiares e comunitários impossíveis de mensurar, através da Nota Pública: “Governo Camilo, lutar, ocupar e resistir não são crimes! ”. Somou-se as violações relatadas, o tratamento discriminatório destinado aos estudantes que participaram das ocupações, com o retorno das aulas, por parte das gestões de suas escolas. Em janeiro de 2017, o CEDECA Ceará juntamente com a Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará realizou atendimento sobre casos de violação ao acesso e permanência ao ambiente escolar em duas escolas, quais sejam a Escola Liceu de Messejana e a Escola Adauto Bezerra. Destacamos ainda que a Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) remeteu para as Delegacias Comuns dos Distritos Policiais, mesmo após a decisão judicial de arquivamento dos referidos processos, os dez procedimentos que continham nomes de estudantes maiores de idade. Nesse sentido, o CEDECA Ceará, a Defensoria Pública Estadual e a Ouvidoria Externa da Defensoria Pública Estadual desenvolveram e ainda estão desenvolvendo, até o presente momento, um papel fundamental para a defesa desses jovens. Os referidos procedimentos estão sendo convertidos em inquéritos policiais nas delegacias distritais e paulatinamente o CEDECA Ceará vem sendo procurado pelos estudantes maiores de idade quando recebem notificações. Os depoimentos dos estudantes adultos foram acompanhados pelo GT de Movimentos Sociais e mais recentemente o Núcleo de Atendimento ao Preso Provisório e às Vítimas de Violência (NUAPP) assumiu essa atribuição. As investigações representaram uma movimentação de retaliação clara e inequívoca ao movimento estudantil, por parte do Governo do Estado. O direito à liberdade de expressão tem relação estrutural com a democracia, restringir ou reprimir a livre expressão de ideias debilita o funcionamento de qualquer sistema democrático pluralista e deliberativo. Cabe destacar que as violações ao direito à liberdade de expressão dos jovens, em sua maioria adolescentes, que participaram do movimento das ocupações das escolas no Ceará se revestem de ainda maior gravidade diante do fato de este ter sido, em muitos casos, um primeiro exercício mais intenso, engajado e organizado coletivamente do direito à participação e à expressão por parte desses estudantes. Assim, o Estado, ao promover notícia-crime contra mais de 300 (trezentos) estudantes, além das outras violações aqui relatadas, abandona o seu dever de efetivar direitos e passa a ser um grande violador, reprimindo a participação e a liberdade de expressão dos estudantes ao mover o aparato policial e todo o sistema de responsabilização socioeducativa contra um movimento político organizado e legítimo.

É preciso ressaltar que o direito à educação é um direito humano fundamental, e que a gestão democrática das escolas públicas; o pluralismo de ideias; o respeito à liberdade; a valorização dos profissionais da educação; e a garantia da qualidade são princípios que regem a educação brasileira. Entende-se, por isso, que a luta das (dos) estudantes é uma manifestação da cidadania e um exemplo genuíno do exercício do direito à participação das (dos) adolescentes. Ademais, o direito à participação encontra respaldo na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (Artigo 12), na Constituição Federal de 88 (Artigo 227 c/c Artigo 204, II) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Artigos 4º, 16 e 53, IV). Sabe-se, ainda, que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação de tais direitos (Artigo 4º do ECA). Tendo em vista o momento político do País, é de fundamental importância que se visibilizem as violações aqui relatadas e se reafirme o direito à participação e à liberdade de expressão dos estudantes secundaristas do Ceará e do Brasil.

 

II – Resumo da Ação e/ou Medidas Judiciais; Extrajudiciais e/ou Políticas Adotadas

 

O Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA Ceará) tem como missão a defesa dos direitos de crianças e adolescentes, especialmente quando violados por ação ou omissão do poder público, visando ao exercício integral e universal dos direitos humanos. Uma das principais características desse centro de defesa é a compreensão do seu papel como parte integrante da sociedade civil organizada e como agente de controle social do Estado e das políticas públicas. O CEDECA Ceará reconhece crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, e filia-se à concepção do Sistema de Garantia de Direitos, que compreende uma atuação articulada para a promoção, a defesa e o controle dos direitos infanto-juvenis pelas instâncias públicas governamentais e da sociedade civil. À estratégia de proteção jurídica, comum aos Centros de Defesa, foram sendo agregadas outras, como a mobilização comunitária, a educação em direitos humanos e a incidência junto aos meios de comunicação. A estratégia jurídica desenvolvida na organização é tributária da Assessoria Jurídica Popular, que compreende o Direito sob uma perspectiva não tradicional, como um potencial instrumento de transformação social e que tem como base de atuação o tripé defesa jurídica, educação popular e mobilização social. A Defensoria Pública Geral do Estado, por sua vez, é uma instituição imprescindível à promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos. Utiliza-se, também, de uma gama de atuação para promover o acesso à justiça, e assegurar os direitos fundamentais.

A Defensoria Pública Estadual é atualmente a principal instituição do sistema de justiça contra as desigualdades sociais e em defesa do Estado Democrático de Direitos. Além disso, é a única instituição do sistema de justiça do Estado do Ceará que mantém um canal direto com a sociedade civil, organizada ou não: a Ouvidoria Geral Externa. A Ouvidoria Geral Externa destaca-se como outra instituição essencial à promoção e à defesa dos direitos humanos. Criada em 2010, através de luta da sociedade civil, a Ouvidoria surge a partir do paradigma democrático popular, com o objetivo de promover a democracia participativa e o controle social no âmbito da Instituição. Esse modelo de Ouvidoria implantado no Ceará entende que a qualidade do serviço pública não pode prescindir da defesa dos direitos humanos, da transparência, da justiça e da inclusão social. Dentre as inúmeras violações dos direitos infanto-juvenis, a educação não está eximida da sistemática de descaso e omissão estatal. Nesse contexto, identificou-se na litigância estratégica em torno do direito à educação dos adolescentes das escolas públicas estaduais um potencial instrumento para visibilizar a luta pela qualidade da educação pública e recolocar no centro do debate a priorização das políticas públicas para a infância e juventude. Assim, estratégias foram elaboradas nos seguintes âmbitos: a) defesa jurídico-judicial; b) monitoramento do orçamento público da educação no Estado do Ceará e produção de conhecimento; c) articulação institucional; d) educação em direitos humanos; e) incidências junto aos meios de comunicação. a) Defesa Jurídico-Judicial O CEDECA Ceará a partir, sobretudo, do diálogo, apoiou a luta do movimento dos estudantes secundaristas e esteve em defesa das ocupações das escolas como forma legítima de reivindicação por uma educação pública de qualidade e contrapropostas que representavam retrocessos na garantia de direitos. Nesse sentido, o CEDECA Ceará atuou conjuntamente com a Defensoria Pública Geral do Estado na estratégia jurídico-judicial para o acompanhamento de casos individuais e coletivos de violação de direitos.

Dentre as atuações desenvolvidas, apontam-se ações que objetivaram resguardar o direito à educação de qualidade, à liberdade de opinião, de expressão e de livre manifestação dos adolescentes, bem como a garantia da integridade física dos mesmos. Outro caso emblemático aconteceu no dia 23 de junho de 2016, na Escola Estadual Hilza Diogo de Oliveira. Nessa data, os estudantes que estavam no interior da escola decidiram impedir a entrada do núcleo gestor por se sentirem ameaçados pelo Coordenador e pelo Diretor da referida escola. Para isso, os estudantes trancaram o portão com uma corrente e um cadeado. Ato seguido, o Coordenador, na presença do Diretor, utilizando uma marreta e uma talhadeira, em atitude desmedida, tentou quebrar a corrente e o cadeado. Dois estudantes, nesse momento, estavam com suas mãos na corrente para evitar seu rompimento. No entanto, o Coordenador permaneceu desferindo golpes que atingiram e lesionaram as mãos dos adolescentes. Descontroladamente, o mesmo tentou empurrar as cadeiras que estavam empilhadas junto ao portão contra os estudantes. Desistindo de destruir o cadeado e a corrente, o Coordenador utilizou um “pé de cabra” para quebrar as paredes que sustentam as dobradiças do portão da escola, chegando a destruir os azulejos ao redor das dobradiças. Os adolescentes também afirmaram que o Diretor agrediu verbalmente a todos os estudantes que se encontravam na ocupação da escola, utilizando palavras de baixo calão como “filhos da puta” e “vão para a puta que pariu”. Tais acontecimentos encontram-se registrados em vídeos que foram apresentados pelos estudantes. Da narração dos estudantes e da análise dos vídeos, depreende-se que o Coordenador, ao desferir golpes com a talhadeira e com a marreta teria lesionado as mãos dos dois jovens mencionados, e, portanto, incorrido no crime de Lesão Corporal, conforme tipificado no art. 129 do Código Penal, por ofender a integridade corporal e a saúde de outrem. Ademais, ao se comprovar que houve a deterioração da parede lateral do portão, o Coordenador teria incorrido em crime de Dano ao Patrimônio Público, contido no art. 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal. Deste modo, agrava-se ainda mais o caso em questão, na medida em que os atos praticados foram realizados por dois profissionais da educação contra estudantes, em sua maioria adolescentes.

O CEDECA Ceará, ao receber a denúncia, foi até a referida escola ocupada e prestou atendimento aos estudantes. Da mesma forma, a Defensoria Pública do Estado, também, realizou visita aos adolescentes. Como primeira medida adotada, o CEDECA Ceará acompanhou os adolescentes diretamente envolvidos com as situações de violências mencionadas até o Distrito Policial mais próximo da escola para registrar tal denúncia. Posteriormente, foi solicitada ao Distrito Policial a devida investigação e a realização de perícia na escola. Destaca-se, também, que o CEDECA Ceará formalizou uma denúncia contra o Coordenador e contra o Diretor da Escola Estadual Hilza Diogo encaminhada para a Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado do Ceará (CGE), bem como para o Núcleo de Defesa da Educação do Ministério Público do Estado do Ceará e para a Secretaria da Educação do Estado. Em julho de 2016, conjuntamente com os/as estudantes, o CEDECA Ceará e o Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará atuaram através da assessoria jurídica ao movimento de ocupações para a sistematização das principais demandas dos estudantes no que se refere ao direito à educação, através de uma proposta de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Por meio dessa atuação, em agosto de 2016, foi possível que a Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará, o Ministério Público do Estado do Ceará, e o Secretário de Educação do Governo do Estado do Ceará firmassem a assinatura do TAC acerca, principalmente, da melhoria da oferta da educação pública no Estado baseado nas reivindicações levantadas pelo movimento dos secundaristas. A atuação jurídica também foi desenvolvida, por exemplo, em momentos críticos que marcaram o retorno às aulas e restava clara uma ameaça à retirada violenta dos adolescentes do prédio das escolas. A incidência nessas ocasiões tinha como objetivo assegurar que não ocorresse violência contra os adolescentes que estavam participando do movimento estudantil e que permaneciam nos prédios escolares se manifestando. Essa ação foi fundamental, a exemplo, em agosto de 2016, nos casos em que foi prestado apoio jurídico aos estudantes da Escola UV2/UV8 e da Escola Adauto Bezerra.

A equipe do CEDECA Ceará e da Defensoria Pública Estadual estiveram presentes nas referidas escolas, e garantiram o diálogo e a mediação de conflitos com a Secretaria da Educação, e asseguraram a integridade física dos adolescentes. Destaca-se ainda a atuação contra a criminalização do movimento estudantil após o término das ocupações. Em agosto de 2016, o Secretário de Educação do Estado protocolou (25) vinte e cinco notícias-crime contra mais de (300) trezentos estudantes que participaram das ocupações. Os estudantes foram notificados para comparecem, juntamente com seus responsáveis, à Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA). O CEDECA Ceará, após articulação institucional com a Ouvidoria Geral Externa e com a Defensoria Pública Geral do Estado, garantiu o acompanhamento cotidiano dos depoimentos dos adolescentes notificados pela DCA para que não ocorresse nenhuma irregularidade, bem como para a orientação jurídica dos estudantes e familiares que estiveram presentes. Em paralelo ao acompanhamento dos depoimentos, a Defensoria Pública do Estado protocolou pedidos de liminares em sede de habeas corpus solicitando a suspensão dos procedimentos diante da ausência de justa causa por atipicidade das condutas dos adolescentes relativos aos processos que correspondiam à Escola Liceu do Conjunto Ceará e à Escola Deputado Joaci Pereira. A partir dessa estratégia, foi concedida decisão favorável aos estudantes pela Juíza da 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fortaleza, em sede de Habeas Corpus, conforme trecho da decisão referente ao procedimento da Escola Estadual Deputado Joaci Pereira: “No caso em exame, a meu sentir não vislumbro, prima facie, caracterizada a tipicidade das condutas dos pacientes, tendo em vista que as mesmas, em tese, não se subsumam, por similaridade, a nenhum dos tipos descritos no Código Penal. In casu, conforme se vê às fls. 11/28, a documentação que serve de suporte a apuração policial não traz substrato suficiente para que se possa enquadrar como ato infracional a conduta dos adolescentes, na medida em que faz referência a ‘um entupimento na fechadura da porta da Coordenação’” grifo nosso. Em seguida, em outro trecho da decisão, aponta-se que: “[…] a própria Diretora da ESCOLA EEFM DEPUTADO JOACI PEREIRA, quando depôs perante a Autoridade Policial, consignou: ‘…que todos os envolvidos nessa ocupação tratavam os funcionários da escola com respeito e na realidade foi um movimento sem violência e bastantes pacíficos; que tem a esclarecer que a escola não sofreu danos significativos; que nada foi danificado”. As decisões judiciais, provocadas pela atuação da Defensoria Pública do Estado em diálogo direto com o CEDECA Ceará, nesse momento crítico de criminalização do movimento estudantil foi uma importante conquista para os adolescentes que estavam sofrendo investigação policial.

Por fim, ainda sobre os casos de criminalização contra os estudantes, é imprescindível mencionar que o CEDECA Ceará e a Defensoria Pública Estadual protocolaram (25) vinte e cinco pedidos de arquivamento de todos os procedimentos policiais referentes às escolas ocupadas. Realizou-se, também, na ocasião desse protocolo, o diálogo importantíssimo com o Promotor de Justiça responsável pela 1ª Promotoria de Justiça Auxiliar da Infância e da Juventude sobre os casos em questão. Nesse sentindo, a partir das ações realizadas, a denúncia da SEDUC contra estudantes foi considerada improcedente pela Justiça. Todos os procedimentos foram arquivados definitivamente pela 5ª Vara da Infância e da Juventude, após incidência do CEDECA e da Defensoria e do parecer da 1ª Promotoria de Justiça Auxiliar da Infância e da Juventude favorável aos estudantes, com base no artigo 180 e 189 do Estatuto da Criança e do Adolescente. b) Monitoramento do Orçamento Público da Educação e Produção de Conhecimento Dentre as importantes estratégias executadas, o CEDECA Ceará incidiu através do monitoramento do Orçamento Público Estadual, no cumprimento da sua missão institucional de realizar o controle social do Estado e a fiscalização da gestão pública. Compreende-se, nesse sentido, que os direitos sociais se efetivam através da das políticas públicas, e estas só são efetivadas a partir de destinações orçamentárias.

O CEDECA Ceará pretendeu, portanto, contribuir para a garantia da prioridade absoluta da criança e do adolescente na destinação de recursos públicos e na formulação e execução das políticas, conforme prevê a Constituição Federal – art. 227 e o Estatuto da Criança e do Adolescente – art. 4º. Em maio de 2016, o CEDECA Ceará lançou a Nota Técnica: “Alimentação de Qualidade: um direito do/a estudante, dever do Estado”. A referida Nota realizava uma análise acerca da efetivação do direito à alimentação escolar no estado do Ceará, a partir do monitoramento das leis orçamentárias, bem como das execuções orçamentárias. Para essa análise, teve-se também como referência a Resolução nº 26, de 17 de junho de 2013, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, por ser o instrumento que regulamenta o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica brasileira, no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. A análise está dividida em 5 partes: em um primeiro momento, é discutida a educação como direito humano, no segundo, há uma breve contextualização da educação básica no estado do Ceará. No terceiro tópico consta uma abordagem sobre o gasto público com a educação no orçamento do estado do Ceará, com foco na alimentação escolar. A quarta parte é composta por uma discussão sobre o PNAE e por fim, na última parte, há um exercício para que as escolas possam mensurar se a qualidade da alimentação escolar tem sido garantida. c) Articulação Institucional Durante o processo de ocupações das escolas da Rede Pública Estadual no Ceará, foi fundamental a constante articulação do CEDECA Ceará com a Defensoria Pública Geral do Estado e a Ouvidoria Externa da Defensoria Pública Geral do Estado. Destaca-se também a criação da Rede de Apoio às Ocupações no Ceará, articulação de diversas instituições, organizações e movimentos sociais em apoio à luta pela educação de qualidade protagonizada pelos estudantes secundaristas. Em verdade, o CEDECA Ceará sempre apostou na atuação conjunta das organizações da sociedade civil com instituições de defesa dos direitos humanos para potencializar ações e fortalecer a incidência no controle social da política pública e na defesa dos direitos humanos. d) Educação em Direitos Humanos O CEDECA Ceará fortaleceu a auto-organização dos estudantes, a partir da perspectiva da educação popular, com oficinas de acordo com as demandas dos adolescentes que ocuparam as escolas.

Os adolescentes oriundos das classes populares, em sua maioria, desconheciam seus próprios direitos. Nesse sentido, o acompanhamento dos estudantes envolveu, entre outras, ações de esclarecimento e formação acerca do direito à educação de qualidade e do direito à participação política de adolescentes por meio de momentos de oficinas, subsídios técnicos, estímulo e facilitação à participação dos estudantes em espaços de discussão acerca da política pública de educação. A Defensoria Pública do Estado, por sua vez, também realizou espaços importantes de escuta e orientação sobre os direitos dos estudantes. Como exemplo, tiveram diversas reuniões ampliadas para o diálogo sobre as demandas do movimento secundarista. Destacam-se citar, também, as várias visitas realizadas pela equipe da Defensoria às escolas ocupadas para instruções e explicações importantes sobre direitos. e) Incidência junto aos meios de comunicação. Sabe-se que a grande mídia contribui para a propagação de falsas ideias, especialmente quando se trata de manifestações sociais populares. Há, portanto, um grande distanciamento entre a realidade dos adolescentes que ocuparam as escolas e a população de modo geral. Nesse sentido, duas frentes de atuação foram fundamentais para a atuação do CEDECA Ceará: a da incidência na grande mídia, com a produção e o envio de releases e propostas de pauta; e a de produção de material de mídia alternativa. Em maio de 2016, foi produzido um boletim informativo, intitulado: “REexistir”, sobre a temática das ocupações das escolas e sobre o Projeto de Lei “Escola Livre”. Nesse boletim foi possível dar voz aos estudantes, através de um artigo escrito por uma adolescente da primeira escola ocupada no estado. Importante mencionar, também, a criação de uma fanpage intitulada “Rede de Apoio às Ocupações no Ceará” com o objetivo de dialogar com diversos públicos nas redes sociais, e, principalmente, dar visibilidade e prestar apoio à luta dos estudantes no estado.

 

III – Parceiros Envolvidos

Durante o processo de ocupações das escolas da Rede Pública Estadual no Ceará, foi fundamental a constante articulação do CEDECA Ceará com a Defensoria Pública Geral do Estado e a Ouvidoria Externa da Defensoria Pública Geral do Estado. Destaca-se também a criação da Rede de Apoio às Ocupações no Ceará, articulação de diversas instituições, organizações e movimentos em defesa e apoio à luta pela educação de qualidade dos estudantes secundaristas. Em verdade, o CEDECA Ceará sempre apostou na atuação conjunta das organizações da sociedade civil e com instituições de defesa dos direitos humanos fundamentais para potencializar ações e fortalecer a incidência no controle social da política pública e na defesa dos direitos humanos.

 

IV – Resumo dos Resultados Obtidos:

Quanto aos resultados políticos, as ocupações das escolas da rede pública estadual do Ceará, com o apoio do CEDECA Ceará e da Defensoria Pública Geral do Estado, conseguiram visibilizar as violações ao direito à educação de qualidade que vinham sendo ofuscadas pela ostensiva propaganda governamental. As ocupações levaram ao conhecimento público a precariedade da estrutura dos prédios escolares, a baixa qualidade da alimentação escolar, as más condições de trabalho dos/as professores/as e a aversão à democratização da gestão escolar, dentro outras questões. A atuação do CEDECA e da Defensoria Pública também foi capaz de fornecer subsídios técnicos para o fortalecimento das pautas estudantis, situando as ocupações no exercício do direito à participação dos/as estudantes. Diante das ocupações estudantis, o Governador e o Secretário de Educação anunciaram publicamente novos investimentos para a reforma dos prédios escolares e para a compra de Ceará e a Defensoria Pública atuaram com afinco para conseguir.

 

V – Documentos

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