OUVINDO O POVO DE TERREIRO – DIÁLOGOS SOBRE LIBERDADE RELIGIOSA NO RIO GRANDE DO SUL

Resumo

Este caso, apresentado pelo Conselho Estadual do Povo de Terreiro do Estado do Rio Grande do Sul, trata de direitos de liberdade religiosa, povos de terreiro, religiões de matriz africana, tolerância religiosa e racismo. Como iniciativa conjunta da Ouvidoria DPE e Conselho Estadual do Povo de Terreiro (CEPT), objetivando responder a casos de discriminação religiosa contra religiosos/as de matriz africana, foi criado o projeto “Ouvindo o Povo de Terreiro”, que realiza audiências públicas para identificar situações mais emblemáticas que exijam atuação imediata da Defensoria Pública, seja judicial ou extra-judicial. Na apresentação detalhada do caso, estão disponíveis, também, fotos, vídeos e notícias.

O Caso

 

Nome da/o(s) Participante(s):
Sandrali de Campos Bueno – Secretária Executiva do Conselho Estadual do Povo
Simone Cruz – Coordenadora da Ouvidoria – Geral da Defensoria Pública
Daniel Paulo Caye – Servidor da Ouvidoria – Geral da Defensoria Pública

Instituição/Organização/ Movimento Social: Conselho Estadual do Povo de Terreiro do Rio Grande do Sul / Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul

Estado: Rio Grande do Sul

I – Resumo da Situação-Problema:

Povo de Terreiro é compreendido como o conjunto de mulheres e de homens vivenciadores da Matriz Africana e Afro-Umbandistas, abarcando, assim a Umbanda, a Kimbandaa, o Batuque e o Candomblé. No Brasil, em decorrência da imposição de uma cultura sobre a outra, por séculos foi considerado crime a afirmação de qualquer culto religioso estranho às crenças do colonizador europeu. Durante a história da colonização do país, houve graves crimes contra os credos, modo de organização e de vida dos povos originários (indígenas) e dos escravizados (negros). Tal imposição se dava inclusive através do uso de armas e violência, somada a rígidas normas, na tentativa de alterar a essência da cultura do outro.

Durante séculos foram proibidos, com duras penas, a fala de outras línguas, a realização de cultos diversos, e até mesmo a prática de capoeira. Apesar da forte repressão, através da resistência política e cultural de nossos ancestrais, essas manifestações da religião e da cultura sobrevivem até hoje, mas ainda temos que enfrentar as consequências do racismo. Uma das formas desta discriminação é a perseguição ao Povo de Terreiro, através de denúncias que usam argumentos e ataques preconceituosos.

A partir da Constituição Federal de1988 há tentativa de reorganizar uma ética nacional, priorizando a dignidade da pessoa humana como fundamento da coletividade e de respeito às subjetividades. Dessa forma, na nossa Constituição está reconhecida a inviolabilidade de liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias. (Art 1º, III; Art 3º, IV; Art. 5º, VI, VII e VIII da CF/88). O Decreto Federal 6.040/2007 reconhece os povos e comunidades tradicionais e sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica. Também o Estatuto da Igualdade Racial, Lei 12.288 de 2010, trata do respeito à diversidade religiosa, buscando garantir a liberdade de credo e a segurança para seu exercício pleno. No Rio Grande do Sul, o Decreto 51.587 de 2014, estabeleceu o Conselho do Povo de Terreiro do Estado do Rio Grande do Sul, em reconhecimento da importância de preservar, estimular e proteger a diversidade religiosa como elemento fundamental de qualquer comunidade, estado ou país.

Entretanto, as leis não oferecem proteção sem o devido acesso à justiça, e a Defensoria Pública é a instituição responsável por garantir, através de servidores e defensores públicos, o acesso de pessoas e comunidades á informação sobre seus direitos e ao devido processo legal. A Ouvidoria Geral da Defensoria Pública tem como um de seus objetivos promover o diálogo com grupos da sociedade, que estejam com seus direitos ameaçados, e que precisem de apoio jurídico para defesa contra preconceito, discriminação e violência. Desde 2015, por demanda do Conselho Estadual de Povo de Terreiro, a Ouvidoria da DPE RS vem acompanhando casos de discriminações agudas contra pais e mães de santo, que tem sido ameaçados por ações policiais, muitas vezes com o apoio de agentes do Ministério Público, em evidente situação de discriminação institucional, mobilizando defensores e defensoras para atuação judicial e extra-judicial na defesa das liberdades religiosas.

II – Resumo da Ação e/ou Medidas Judiciais; Extrajudiciais e/ou Políticas Adotadas:

O projeto “Ouvindo o Povo de Terreiro” é uma iniciativa conjunta da Ouvidoria DPE e Conselho Estadual do Povo de Terreiro (CEPT) para responder a casos de discriminação religiosa contra religiosos/as de matriz africana, que está sendo implementada da seguinte forma:

  1. Plenária do CEPT para escuta de casos específicos contra a comunidade religiosa;
  2. Identificação de situações muito graves e/ou emblemáticas de perseguição religiosa com o envolvimento de agentes do Estado;
  3. Definição da cidade para realização de audiência pública com a Ouvidoria DPE e Defensoria RS;
  4. Organização da audiência pública, em parceria com as associações locais e Defensoria do município, com prévia análise dos casos, visitas às comunidades e diálogo com defensores/as locais;
  5. Realização da audiência pública. A primeira realizou-se em Santana do Livramento, região de fronteira do RS com Uruguai, e de tradicional presença de religiosos de matriz africana, em maio de 2016, onde se visitou a DPE RS, o Ministério Público e realizou-se uma plenária com 100 pessoas aproximadamente para “ouvir” relatos de discriminação e perseguição religosa na região. Para a audiência pública vieram também pessoas de cidades próximas, com uma plenária em noite muito fria com mais de 100 pessoas, onde a mobilização serviu para demonstrar tanto a forte presença do Povo de Terreiro quanto o compromisso da DPE RS em dar apoio jurídico. A segunda audiência pública realizou-se em Alvorada, a partir de dois casos de intolerância religiosa, com a participação da Câmara de Vereadores local, para relato das situações de intolerância e discriminação na região, com a presença de aproximadamente 80 pessoas. A terceira audiência pública realizou-se em Gravataí, cidade da região metropolitana com o maior número de terreiros do Estado, que enfrenta uma ofensiva do governo local contra o povo de terreiro a partir da utilização de legislação ambiental e de ordem pública municipais. A próxima audiência pública ocorrerá em Pelotas, na região sul do Estado, para debater o caso de proibição de manifestações religiosas durante o Carnaval, feita através de decreto municipal.

Em cada audiência pública, foi identificada a situação mais emblemática que exigiria atuação imediata da DPE, seja judicial ou extra-judicial, para encaminhamento junto à DPE local. Por exemplo, em Alvorada, foi constatado o caso do Pai Mayke Roger, réu em processo movido pelo MP. A Ouvidoria contatou o Defensor Público Igor Rodrigues Quevedo, encaminhando materiais informativos e dialogando com o defensor para apoio na instrução do processo. O Defensor Igor interpôs agravo de instrumento (nº CNJ 0292383-47.2016.821.700) contra despacho da Juíza da 2ª Vara Cível da Comarca de Alvorada que havia , nos autos a Ação Civil Pública em que Pai Mayke é réu (processo nº 0012696-44.2016.8.21.0003, determinado o fechamento da Casa de Religião, multa em caso de atividade e ordem de adequação acústica do terreiro, somente não acolhendo o pedido de busca e apreensão dos instrumentos musicais utilizados no culto, que for a apresentado por representante do Ministério Público Estadual na petição da Ação Civil Pública.

Através do Agravo de Instrumento, a Defensoria conseguiu parcial provimento no sentido de não acolhimento da decisão de interditar o local, que no caso, é a moradia do pai de santo. Porém, o Tribunal de Justiça recebeu o despacho de 1º grau no sentido de proibição do uso de instrumentos sonoros na sede da Casa de Religião, das 22 às 07 horas, sob pena de multa, e a ordem de realização de vedação acústica do local, no prazo de 120 dias.

Retornados os autos do processo à Comarca de Alvorada, o caso aguarda designação de audiência. Em Gravataí, foi convidada a Promotora de Justiça de Direitos Humanos para ouvir a demanda contra a Prefeitura e MP local, levando a um reequilíbrio no debate público sobre o tema, e acompanhamento qualificado dos desdobramentos de cada situação com a DPE local e Ouvidoria. Atualmente, há mobilização do movimento social para a apresentação de projeto de lei que regulamente as atividades das casas de religião na esfera municipal, mas a temática segue controversa no diálogo entre o Conselho Municipal do Povo de Terreiro e a Prefeitura de Gravataí, que tem aplicados severas multas e cobrando taxas para a regularização de casas de religião através de sua Fundação Municipal de Meio Ambiente.

III – Parceiros Envolvidos:

Conselho Estadual do Povo de Terreiro (CEPT/RS); Conselho Municipal do Povo de Terreiro de Gravataí; Ouvidoria Geral da DPE/RS; Centro de Referência em Direitos Humanos da DPE/RS; Associação de Defensores do Rio Grande do Sul; Defensoria Pública de Alvorada; Defensoria Pública de Gravataí; Defensoria Pública de Pelotas; Defensoria Pública de Santana do Livramento; Ministério Público Estadual; Poderes Executivo e Legislativo locais; dezenas de associações e entidades locais nestas cidades que participaram das audiências públicas relatando seus casos e mostrando sua disposição de defender seus direitos.

IV – Resumo dos Resultados Obtidos:

  1. Mobilização e construção de conhecimentos jurídicos sobre liberdades religiosas no Brasil – este projeto tem dois objetivos principais: (i) mobilizar a comunidade de terreiro para enfrentar a discriminação e intolerância que sofrem, através de mecanismo de acesso à justiça, e (ii) mobilizar a comunidade de defensores e defensoras do Rio Grande do Sul para produzir novos conhecimento e práticas jurídicas de defesa das liberdades religiosas. Assim, os resultados obtidos são bem significativos, eis que as audiências públicas foram muito representativas das comunidades locais, e também se instituiu um grupo de trabalho informal para estudar os casos. Este mês, o Núcleo de Defesa de Direitos Humanos abriu edital para criar um GT na DPE RS sobre o tema, o que permitirá ampliar ainda mais o debate.
  2. Santana do Livramento – o caso abordado referia-se a uma Ação Civil Pública movida pelo MPRS contra uma casa de religião; este processo foi arquivado depois da audiência pública e diálogo com a Promotoria de Justiça local.
  3. Alvorada – o processo judicial está sendo acompanhado pela DPE local, que já obteve uma primeira vitória, embora encontre-se ainda tramitando com futuros desenvolvimentos.
  4. Gravataí – com a mobilização para Audiência Pública, e contando com o apoio da Ouvidoria DPE RS, reverteu-se a situação de pressão da prefeitura contra os terreiros, reabrindo o diálogo para uma lei municipal que contemple as situações de liberdade religiosa.

Entretanto, o CEPT e a Ouvidoria permanecem acompanhando as reuniões locais e desenvolvendo estratégias jurídicas para lidar com alguns conceitos que merecem análise jurídica como a diferença entre “templo” e “casa de religião”, e as questões de jurisdição federal e estadual no que tange à defesa da liberdade religiosa protegida constitucionalmente.

V – Documentos

Notícia 1

Notícia 2

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