EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: ESTRATÉGIAS PARA O DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS

Resumo

Este caso, apresentado pela Defensoria Pública do Estado do Acre, trata de povos indígenas, mais especificamente, da importância da Defensoria Pública, mediante ações de educação para direitos que auxiliem no apoio à prática dos diversos órgãos de atuação e que abram espaço para que os representantes do movimento indígena apresente suas demandas, a fim de que se provoque uma reflexão institucional para a formulação de uma política de atuação que vise às especificidades dos vários povos, e, assim, torne-se um novo interlocutor para os povos indígenas no que diz respeito à promoção de direitos humanos e do ordenamento jurídico. Na apresentação detalhada do caso, estão disponíveis, também, fotos e vídeo.

O Caso

Nome da/o(s) Participante(s):
Cláudia de Freitas Aguirre – Defensora Pública

Instituição/Organização/ Movimento Social: Defensoria Pública do Estado do Acre

Estado: Acre

I – Resumo da Situação-Problema:

No Acre, existem 35 Terras Indígenas – já homologadas ou submetidas a processo para tal finalidade – que abrangem 16 etnias: Nukini, Jaminawa-Arara, Shawãdawa, Ashaninka, Madija, Yawanawá, Noke Koi (Katukina), Huni Kuin (Kaxinawá), Shanenawa, Puyanawa, Nawa, Jaminawa, Kuntanawa, Apolima-Arara, Manchineri, e Sapanawa (recente contato, designação ainda não confirmada), somando em torno de 16.000 indígenas autodeclarados (IBGE 2010).

A maior parte da população indígena do estado concentra-se nos Vales do Juruá, Tarauacá e Envira (vide mapas anexos), abrangendo os municípios de Mâncio Lima, Rodrigues Alves, Marechal Thaumaturgo, Porto Walter, Cruzeiro do Sul, Tarauacá, Jordão e Feijó. Os indígenas dessas regiões, geralmente, se articulam politicamente em conjunto para formação de associações e realização de encontros e eventos.

Esta defensora, por sua vez, atua no núcleo da Defensoria Pública do Estado do Acre em Cruzeiro do Sul, e sua atuação abrange esta comarca (que abarca as cidades de Cruzeiro do Sul, Porto Walter e Marechal Thaumaturgo), além das comarcas de Rodrigues Alves e Mâncio Lima.

Ser defensora pública no Acre fez-me conhecer, pela primeira vez, indígenas – não aqueles romantizados e estereotipados do imaginário do senso comum, mas eles mesmos, por eles mesmos, em sua própria versão: sendo, vivendo, e, sobretudo, resistindo. Sim, já sabemos que nosso País é multicultural; mas o que eu comecei a ver foi a existência de verdadeiros povos dentro de um mesmo estado.

Esse Brasil, eu não conhecia. De pronto, deparei-me com um desafio que, no meu entendimento, apresenta duas facetas indissociáveis: 1) uma faceta pessoal e cultural, consistente em receber pessoas de outros povos e de enxergá-las enquanto tais, ou seja, honrando a sua diferença, sem uma postura pautada somente pelo exotismo e pela natural curiosidade que o contexto, naturalmente, possa provocar. Ainda que, hoje em dia, haja um crescente intercâmbio entre os vários povos indígenas e o ambiente não indígena, não é possível deixar de se surpreender – e de se desconcertar, até – com a diversidade pujante do Acre, batendo à porta do gabinete; 2) uma faceta institucional, enquanto defensora pública, no sentido de procurar fazer parte de um mecanismo de acesso à justiça que efetivamente vá ao encontro dos diversos anseios dos indígenas, sem recair numa prática arcaica, opressora?

Diante disto, o primeiro passo dado foi o de estabelecer os fundamentos históricos e jurídicos em função dos quais a atuação da Defensoria Pública Estadual, nesta realidade, é não só desejável, mas sobretudo necessária. Historicamente, os povos indígenas foram – e são – vítimas de um atroz genocídio e etnocídio, marcado pela expropriação de seus direitos, instituições, tradições e culturas enquanto tais.

A suposta ruptura em relação ao anterior colonialismo mostrou-se transformada, com o passar do tempo, em novos meios legais e institucionais de subjugação de tais grupos, acompanhada da sempre presente pressão material e econômica própria da lógica do capitalismo.

Assim, o meio legal e institucional encontrado para que indígenas permanecessem numa espécie de ostracismo não só como sujeito de direitos, mas sobretudo como agentes políticos, foi colocá-los como pessoas menos desenvolvidas a serem tuteladas pelo Estado e integradas gradativamente ao padrão social e econômico prevalecente.

A Convenção 107 da Organização Internacional do Trabalho de 1957, em seus considerandos e dispositivos, deixa claro este projeto integracionista/assimilacionista, segundo o qual os direitos das populações indígenas, tribais e semitribais seriam estabelecidos e realizados desde que num contexto de aculturação e adequação ao “progresso” da “comunidade nacional”, prevendo uma atividade protecionista e assistencialista por parte do Estado.

Na mesma linha, o Estatuto do Índio (Lei nº 6001/73) refere-se aos indígenas como silvícolas – e aqui cabe destacar o sentido pejorativo deste termo, também utilizado pela Constituição de 1967 (art. 186) -, bem como estabelece a gradação entre índios isolados, em vias de integração, e integrados à “comunhão nacional”.

Nesse contexto, prevê aos índios isolados e aos em via de integração o odioso regime tutelar, destinando o pleno exercício dos direitos civis somente para os integrados. No mesmo diapasão, a Lei nº 5371/67, que autorizou a instituição da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, traz para esta uma função assistencialista e de tutela dos indígenas, além de atribuir-lhe a gestão do patrimônio indígena e de resguardar contra “aculturação espontânea do índio, de forma que a sua evolução sócio-econômica se processe a salvo de mudanças bruscas”. Evidente que tais sistemas normativos vinham ao encontro dos interesses que prevaleciam no governo militar relacionados a determinado modelo de desenvolvimento e ocupação territorial.

Afinal, colocar indígenas sob tutela e como alvo de políticas meramente protecionistas, ainda que prevendo direito à posse de suas terras (art. 2º, IX, da Lei nº 6001/73), abria campo para todo o tipo de ingerência estatal contra a autonomia e os modos de ser de cada um desses grupos, sempre em nome de uma imaginária “comunhão nacional”.

O processo de democratização do País foi acompanhado de um intenso crescimento do movimento indígena e de outros povos tradicionais, a exemplo dos quilombolas. O protagonismo político dos indígenas não só no Brasil, mas em numerosos países com o mesmo histórico do colonialismo, foi capaz de transpor toda a ordem de subjugação legal e institucional e garantiu conquistas consideráveis nos novos textos constitucionais em diversas nações.

No caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988 inaugurou um novo paradigma jurídico para tratar dos direitos dos povos indígenas, inclusive se antecipando à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho de 1989, que revogou posteriormente a já mencionada Convenção 107.

Com efeito, garante a Constituição Federal, em seu art. 231, o reconhecimento aos indígenas de sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições; o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, considerando nulos e extintos os atos que tenham por objeto tais bens.

Determina, ainda, a legitimidade dos índios, suas comunidades ou organizações, para ingressarem em juízo para a defesa de seus direitos e interesses, cabendo destacar, ademais, a leitura deste dispositivo em conjunto com os arts. 1º, inciso III, e 5º, caput, que consagram os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, bem como com o art. 216, que prevê como patrimônio cultural dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira não só as manifestações mais propriamente artísticas, mas tudo o que se refere a modos de criar, fazer e viver, denotando, assim, uma leitura política da cultura para além do viés meramente folclórico.

No mesmo passo, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho de 1989 – promulgada no Brasil pelo Decreto 5051/04 e incorporada ao ordenamento jurídico pátrio nos termos do art. 5º, §2º, da Constituição Federal -, já em seus considerandos, deixa clara a mudança de paradigma para afastar o assimilacionismo da convenção anterior, reconhecer a atuação política dos povos indígenas no sentido da reivindicação de “assumirem o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões”, sem prejuízo do exercício dos direitos fundamentais garantidos ao restante da população dos Estados em que se encontram.

Em suma, o novo modelo constitucional e convencional exige da sociedade como um todo, e do Estado em específico, o profundo respeito à pluralidade étnica em todas as suas dimensões, fortalecendo a dignidade e a atuação política desses diversos povos como protagonistas da construção da própria autonomia e autodeterminação como cidadãos brasileiros indígenas.

De fato, trata-se de uma cidadania diferenciada, que garante ao indígenas o exercício de todos os direitos previstos aos demais brasileiros, porém obrigando a sociedade e o Estado a reconhecer e respeitar as suas especificidades.

É certo que a Constituição Federal de 1988, no que diz respeito aos indígenas, traz em suas normas direitos fundamentais que, portanto, detém aplicabilidade imediata, tendo na Convenção 169 da OIT um valioso complemento interpretativo e diretivo para as ações estatais e modificações legais e institucionais necessárias que possam tornar realidade o Estado Pluriétnico instituído pelo novo marco normativo aqui delineado.

Neste sentido, a convenção traz o conceito de autodeterminação (art. 1º, 2), indo ao encontro do art. 4º, inciso III, da Constituição Federal; determina a obrigatoriedade de consulta prévia, livre e informada e da participação dos povos indígenas em todas as ações e políticas públicas estatais que lhe interfiram, visando garantir o respeito às suas diferenças e à sua integridade (art. 2º, 6º, 15), considerando suas práticas e instituições sociais, bem como as suas prioridades no que se refere ao seu desenvolvimento socioeconômico nas terras que ocupam (art. 5º, 7º); prevê o respeito ao direito consuetudinário dos indígenas sem prejuízo do exercício dos direitos reconhecidos para os demais cidadãos do país (art. 8º); coloca o direito à terra sob o enfoque da especial relação que os povos indígenas estabelecem com a mesma em termos coletivos, considerando como objeto de proteção não só o local habitado pelos mesmos, mas toda a extensão de terra necessária à reprodução de seus modos de fazer e viver materiais, culturais e espirituais (art. 13); dentre outros pontos.

Traçado brevemente o panorama histórico e normativo, volto ao desafio com que me deparei, agora enfocando o seu aspecto institucional: como pensar a atuação da Defensoria Pública voltada ao acesso à justiça aos indígenas sem reproduzir uma prática neocolonialista que reforce a já conhecida invisibilidade institucional que atinge os indígenas? Ou, dito em termos afirmativos: como estabelecer uma política defensorial capaz de atender às necessidades da cidadania indígena conforme às suas especificidades, em observância ao novo marco constitucional e convencional?

Para refletir sobre as possíveis respostas, creio ser importante ressaltar alguns aspectos. O primeiro deles é o fato de que, por uma opção histórica e, mais especificamente, da Constituição Federal de 1988, toda a política estatal voltada aos povos indígenas tem uma maior concentração e desenvolvimento na área federal. Pode-se dizer que isto decorre, principalmente: 1) do fato dos territórios indígenas serem bens da União (art. 20, inciso XI, c/c art. 231, ambos da Constituição Federal); 2) da atribuição constitucional do Ministério Público Federal, conforme disposição do art. 232; e 3) da existência da Fundação Nacional do Índio como órgão federal responsável pela política indigenista ligada ao Ministério da Justiça.

De fato, há uma tendência à federalização das políticas públicas voltadas especificamente aos indígenas, a exemplo do que ocorreu com a criação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (arts. 19-A e seguintes da Lei nº 8080/90). Todavia, creio que isso gera a formação de um senso comum segundo o qual tudo o que é relacionado aos povos indígenas é exclusivamente da área federal, e a partir disto se cria um contexto no qual os órgãos estaduais e municipais nem sempre se preocupam em traçar políticas estratégicas destinadas a tais grupos.

Além disto, sequer as organizações representativas destes visualizam de modo claro como realizar esta disputa no âmbito de tais entes federativos de um modo mais sistemático. O segundo aspecto é que, no estado do Acre, contudo, temos um contexto um pouco diverso do de outros estados. A começar pelo fato de que a maior parte das 35 terras indígenas existentes já foram devidamente demarcadas e homologadas, o que gera uma situação menos conflituosa para os indígenas acreanos.

Ademais, o estado do Acre, historicamente, é mais permeável a pensar uma política voltada para os povos indígenas, o que o coloca como responsável por medidas pioneiras. Como exemplo disto, podemos mencionar: a presença de uma ativa Assessoria de Assuntos Indígenas ligada ao gabinete do governador do estado, hoje ocupada por Yube Huni Kuin, indígena da maior etnia do Acre (Huni Kuin); a formulação de planos de gestão territorial junto às Terras Indígenas mesmo antes do advento do Decreto 7747/2012, que instituiu a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas; a atuação pioneira na formação e atuação dos agentes agroflorestais indígenas e dos professores indígenas; dentre outros.

O terceiro aspecto refere-se à Defensoria Pública como “instituição essencial à função jurisdicional do estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os grais, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal” (art. 134, CF). Sob o enfoque da Lei Complementar nº 80/1994, com redação dada pela Lei Complementar nº 132/2009, um primeiro destaque a ser dado é o de que a atuação da Defensoria Pública Estadual, tal como incialmente vem se estabelecendo no núcleo defensorial em Cruzeiro do Sul/AC, transcende a hipossuficiência econômica, enquadrando-se, de um modo mais amplo e estratégico, na hipótese descrita no art. 4º, inciso XI, referente à defesa de “grupos sociais vulneráveis que mereçam a proteção especial do Estado”.

O segundo destaque, já em relação à prática a ser exposta neste texto, é a importância da Defensoria Pública na promoção da difusão e conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico, nos termos do inciso III do mesmo dispositivo legal supracitado.

II – Resumo da Ação e/ou Medidas Judiciais; Extrajudiciais e/ou Políticas Adotadas:

Resumo da ação Pouco mais de um mês após a minha lotação no núcleo defensorial em Cruzeiro do Sul/AC, fiz uma visita institucional à Coordenadoria Regional do Juruá da FUNAI, na mesma cidade, pra conhecer a equipe e a sua atuação na região.

Desde então, estabeleceu-se um diálogo entre ambas as instituições, no qual a Defensoria Pública recebe orientações e documentações específicas da FUNAI quando casos envolvendo indígenas assim requerem, bem como os funcionários daquela contactam a Defensoria Pública diretamente quando há a necessidade de orientação jurídica ou medidas judiciais ou extrajudiciais.

Estes casos envolvem, geralmente, questões relacionadas a registro civil, direito previdenciário, e direito de família. Este foi o meu primeiro contato institucional com os indígenas. Para além da atuação mais individualizada, tenho recebido, desde 2015, convites para proferir palestras a respeito do Direito dos Povos Indígenas. O envolvimento da Defensoria Pública Estadual com os indígenas no que diz respeito à educação em direitos humanos e difusão do ordenamento jurídico começou com o convite da Coordenadoria Regional do Juruá da FUNAI para realizar palestra sobre “Direitos Individuais e Coletivos dos Povos Indígenas” na etapa local da 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista no ano de 2015. Foi este chamado que me trouxe, de fato, uma maior reflexão repleta de dúvidas e receios: como estabelecer uma comunicação com indígenas sobre uma área do saber que muitas vezes se mostra tão árida como o direito? Bastaria falar-lhes os seus direitos numa espécie de “lista”?

Mas isto, ao fim e ao cabo, consistiria num mero despejar de um suposto conhecimento jurídico, o que resultaria, novamente, numa prática integracionista, de aculturação. Como fugir desta postura? Afinal, ninguém se emancipa se não produz o próprio saber, e o saber jurídico só se torna útil quando é objeto de apropriação pelos próprios sujeitos de direitos.

Procurei ter sempre em mente, para cada oportunidade que foi dada à Defensoria Pública para falar com os indígenas, o seguinte questionamento: o que é importante abordar no que diz respeito ao ordenamento jurídico nacional e internacional hoje, colaborando para uma apropriação do texto normativo por parte dos indígenas, de modo que estes possam formular reivindicações ou defesas que lhes sejam estratégicas?

Antes de passar a relatar as ações, cabe fazer uma pequena observação sobre a tática adotada. Sempre que possível, a Defensoria Pública participou não só do momento da palestra, mas de outras atividades dos eventos para os quais ela foi chamada. Isso significou sair de uma zona de conforto, sim, para estar no local durante horas, ou até mesmo um dia ou mais com pernoite, observando os trabalhos, conversando de modo informal com os participantes individualmente ou em pequenos grupos, preferencialmente antes do espaço dado para a Defensoria Pública realizar a sua exposição.

Isso muitas vezes se mostrou não só desejável, mas crucial para definição tanto dos pontos específicos que seriam abordados, quanto do modo como seriam abordados. Afinal, isso é também um aprendizado para a Defensoria Pública, e de fato há um longo caminho institucional no sentido de, num primeiro momento, estar mais preocupada em ouvir do que em “transmitir” ou “fazer”.

A seguir, estão listadas as principais experiências neste sentido, relatando como esta reflexão e esta prática se desenvolveu. Conferência Nacional de Política Indigenista A etapa local da conferência em tela ocorreu nos dias 14 a 18 de junho de 2015 na Terra Indígena Puyanawa, em Mâncio Lima/AC.

Então, a indagação que se colocou consistia em saber o que seria útil transmitir a tais interlocutores numa primeira conferência do gênero, em meio a um contexto político e jurídico absolutamente desfavorável para tais comunidades. Para o tema proposto – “Direitos Individuais e Coletivos dos Povos Indígenas” -, busquei formular uma palestra atual com questões macropolíticas mais abrangentes, pontuando ameaças no âmbito do Poder Legislativo e Judiciário.

Nesse cenário, a problemática que envolve o Projeto de Emenda Constitucional nº 215/2000, embora já fosse bastante conhecida pelos indígenas, não deixou de ser abordada. Todavia, foram mencionadas outras iniciativas legislativas e práticas judiciais que, a princípio, não estavam no horizonte dos indígenas do Vale do Juruá, e que visavam anular todo o sentido jurídico das escolhas políticas consolidadas na Constituição Federal de 1988.

Desse modo, destaquei as condicionantes estipuladas pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da Petição 3388 (referente à Terra Indígena Raposa Serra do Sol), e as relacionei com o Projeto de Lei Complementar nº 227/2012, que visa regulamentar o §6º do art. 231 para, em suma, permitir grandes empreendimentos em terras indígenas sem maiores óbices, na linha das condicionantes fixadas pelo STF.

Além disso, foram apontados temas relacionados à dissonância do atual Estatuto do Índio em relação ao novo marco constitucional e convencional e, a partir disto, pontuadas possíveis estratégias para pensar um novo estatuto, sobretudo no que se refere à formulação de normas procedimentais referentes à consulta prévia e poder de veto, bem como de políticas públicas nas mais diversas áreas – como educação, saúde, assistência social – que respeitem as especificidades dos povos indígenas, utilizando como base a proposta de Estatuto dos Povos Indígenas formulada pela Comissão Nacional de Política Indigenista.

A presença da Defensoria Pública Estadual num evento dessa natureza apareceu como uma novidade para as lideranças indígenas. Dessa forma, durante o encontro, notei o flagrante desconhecimento, por parte destes, das atribuições da Defensoria Pública e como esta poderia ser apropriada pelos indígenas para as necessidades de tais povos.

Da mesma forma, eu, como defensora pública, estava também aprendendo. Então, foi necessário, para além de proferir uma palestra, estar disposta a ficar na aldeia além do tempo do debate, observar as falas e, efetivamente, captar as demandas não só nas linhas, mas principalmente nas entrelinhas dos diversos discursos.

Como consequência, fui novamente chamada para palestrar sobre o mesmo tema na etapa regional de Rio Branco/AC da mencionada conferência, que ocorreu entre os dias 22.10.2015 a 24.10.2015. Nesta ocasião, notei que era mais relevante abordar questões mais individuais desde o conceito de uma cidadania indígena após Constituição Federal de 1988, demonstrando os seus desdobramentos sobre alguns pontos relevantes, dentre os quais: 1) ter uma análise do Estatuto do Índio à luz da Constituição Federal e da Convenção 169 da OIT para perceber, de um lado, a total inaplicabilidade da maioria de seus dispositivos, e, de outro lado, procurar interpretar alguns de seus dispositivos sob este novo marco normativo constitucional e convencional – como é o caso dos arts. 56 e 57 quanto ao impacto, no direito penal, do fim do regime de tutela.

Ademais, ressaltei a necessidade de uma abordagem antropológica nesta seara processual, bem como de respeito ao direito consuetudinário das comunidades na resolução de conflitos e na possibilidade de diálogo entre este e o Poder Judiciário;

2) O direito ao nome indígena e o seu papel no sentido de fortalecer a autodeterminação e o reconhecimento jurídico e político da diversidade cultural por parte do Estado, abordando o teor da Resolução Conjunta nº 3 do CNJ e do CNMP, que prevê a possibilidade de inclusão do prenome indígena (afastando, inclusive, a aplicabilidade do art. 55, parágrafo único, da Lei 6015/73), da etnia, da aldeia de nascimento, do procedimento para registro tardio de nascimento de indígenas. Este ponto, posteriormente, ensejou outras reflexões que podem culminar numa atuação mais específica da Defensoria Pública do Estado do Acre, conforme será visto adiante;

3) A função de cotas para indígenas no sentido de aumentar a presença e a representatividade de tais povos nos diversos espaços institucionais (universidades, poder legislativo, conselhos deliberativos, etc).

4) as atribuições institucionais da Defensoria Pública e a sua atuação principalmente quanto aos direitos individuais e orientação jurídica/educação em direitos, salientando a necessidade dos povos indígenas ocuparem este espaço e demandarem uma política específica para eles dentro deste órgão também na esfera estadual. Além de proferir a palestra, pude ainda participar de alguns grupos de trabalho, nos quais chamaram a atenção as críticas dos indígenas às políticas de previdência e a assistência social.

A intervenção da Defensoria Pública do Acre foi no sentido de, uma vez identificado pelos indígenas que as políticas e a legislação em tais searas estão longe de respeitar as especificidades dos diversos povos, demonstrar possíveis estratégias de reivindicação de modificações à luz da Convenção 169. Por fim, na Etapa Nacional da conferência, que ocorreu entre os dias 14 e 17 de dezembro de 2015 em Brasília, participei como observadora, dando continuidade à minha tarefa de conhecer melhor as pautas do movimento indígena e trazer isso para a atuação da Defensoria Pública do Acre. 1º Encontro de Mulheres Artesãs Indígenas do Vale do Juruá, A Defensoria Pública do Estado do Acre foi chamada para, ao lado da representação da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres do Estado do Acre, falar sobre Direito das Mulheres Indígenas.

O encontro ocorreu entre os dias 26.09.2015 a 30 de setembro de 2015, no Centro Diocesano em Cruzeiro do Sul/AC. O primeiro desafio foi se deparar com o fato de que todo o marco teórico e normativo hoje prevalecente traz uma perspectiva não indígena e, em grande medida, urbana. É certo que esta perspectiva pode até se enquadrar, de algum modo – mas, ainda, assim, com alguns impasses -, nos casos em que a mulher indígena vive em centros urbanos com não-indígenas.

Contudo, se considerada a realidade das variadas comunidades, percebe-se que a legislação não considera as especificidades das mulheres indígenas enquanto tais. Como, então, iniciar este debate de modo emancipatório com elas? Inicialmente, optei por trazer o conceito de gênero, de modo a demonstrar que esta “chave” pode ser utilizada pelas mulheres indígenas para que elas reflitam, desde os seus contextos e culturas, sobre como os papéis do feminino e masculino são construídos e em que ponto eles são positivos ou negativos quanto ao equilíbrio nas relações de poder.

Outrossim, procurei reforçar, com base na Convenção 169 da OIT, a consciência da autodeterminação e da autonomia das mulheres ao decidirem sobre quais instrumentos legais utilizarem, sugerindo que elas nunca tomassem as políticas e leis existentes como se fossem “óbvias” ou as “únicas possíveis”, uma vez que demonstrado o recorte branco e urbano nelas prevalecente.

Destarte, orientei que elas refletissem sobre quais especificidades elas gostariam que o Estado levasse em consideração quanto à proteção dos direitos das mulheres indígenas. A partir disso, foram ressaltados dispositivos da Convenção sobre a Eliminação de Todas as formas de Discriminação contra a Mulher sobre os seguintes assuntos, dentre outros: 1) saúde da mulher, controle da natalidade e importância da valorização dos conhecimentos tradicionais quanto a conhecimento do próprio corpo, maternidade e tratamentos; 2) Direito do Trabalho, Economia e Acesso à terra, enfocando a necessidade de tratamento igualitário e questionando as mulheres indígenas ali presentes como elas gostariam de abordar isso nas suas comunidades e qual seria, na opinião delas, o papel que o Estado deveria desempenhar sem que isso resultasse numa ingerência inadequada na autonomia e autodeterminação das mulheres em si e das comunidades como um todo. 3) Violência contra a Mulher, abordando não só o conceito dos vários tipos de violência (física, psicológica, econômica, etc), mas, principalmente, tendo uma visão crítica da Lei Maria da Penha, de modo a verificar se os instrumentos ali previstos são ou não cabíveis para a situação das mulheres indígenas.

Creio que a problemática do direito das mulheres indígenas é umas das mais delicadas e desafiadoras questões no que diz respeito aos direitos humanos, e exige uma profunda disposição para o diálogo e total desapego à postura de impor uma visão não-indígena sobre o feminismo e os respectivos sistemas normativos. Trata-se de caso emblemático de busca de uma concepção multicultural dos direitos humanos e superação da falsa dicotomia entre universalismo e relativismo cultural. Este foi o pressuposto que mantive em mente ao tratar dos assuntos elencados. XXXVII Assembleia Regional do Conselho Indigenista Missionário – regional da Amazônia Ocidental A referida assembleia ocorreu nos dias 08.11.2016 e 09.11.2016 no Centro Diocesano em Cruzeiro do Sul/AC, e a Defensoria Pública do Estado do Acre foi convidada a apresentar palestra sobre “Ameaças aos direitos humanos e ambientais nas disputas territoriais”.

Pela natureza da instituição que me convidou e pelo tema proposto, evidentemente foi necessária a abordagem de questões macropolíticas. Tendo em vista o cenário de flagrante instabilidade institucional no contexto do impeachment da presidenta Dilma Rousseff e do arrefecimento das iniciativas que visam retirar direitos duramente conquistados e consagrados na Constituição Federal de 1988, procurei trazer uma visão da Convenção 169 da OIT e da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas como sendo uma releitura, sob o ponto de vista dos indígenas, dos Direitos Humanos originalmente previstos nos instrumentos clássicos, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e o Pacto de San José da Costa Rica.

Com efeito, os primeiros tratados internacionais de direitos humanos não foram formulados pensando nos diversos povos indígenas existentes no mundo. Quando, por exemplo, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos traz o direitos dos povos à sua autodeterminação e menciona o respectivo direito territorial, o contexto aí considerado é o dos países submetidos ao colonialismo europeu.

Nesse cenário, a Convenção 169 da OIT e a Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas trazem outra construção conceitual sobre o direito à autodeterminação e o direito territorial dos povos indígenas a partir da especial relação destes com suas terras e dos seus diversos modos de organização cultural e social. Ainda nesse contexto, localizei o surgimento destes dois últimos tratados internacionais como conquista do movimento político dos povos indígenas, o qual tem um caráter essencialmente contra-hegemônico no âmbito dos direitos humanos.

Por que essa abordagem é jurídica e politicamente estratégica? Porque, se temos uma Constituição Federal que está em risco, a ocupação dos espaços jurisdicionais internacionais e a formulação de um discurso emancipatório no âmbito dos direitos humanos, se já é possível e necessária, torna-se ainda mais imprescindível. Dessa forma, num possível cenário de queda dos direitos dos povos indígenas consagrados na Constituição Federal de 1988, mencionei a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre povos indígenas, na qual o direito à propriedade previsto no Pacto de San José da Costa Rica – inicialmente ainda sob um conceito tradicionalmente individualista – é reinterpretado à luz das necessidades e reivindicações de tais povos e de sua especial relação econômica, social e cultural com os seus territórios, mesmo em conflitos ocorridos em países não signatários da Convenção 169 da OIT e cujas constituições sequer preveem direitos territoriais e culturais aos povos indígenas .

A partir desse panorama, foram abordados, ainda: 1) aspectos da PEC 215 e do PLC 227/2012, que a Defensoria Pública já havia tratado por ocasião da Conferência Nacional de Política Indigenista (porém mais no contexto constitucional); 2) uma visão crítica da legislação ambiental brasileira sob o ponto de vista da contraposição da ideia de sustentabilidade e ecologia social ao conceito arcaico do preservacionismo, colocando a luta indígena como movimento contra-hegemônico também na seara ambientalista, já que, sob tal ponto de vista, a luta pelo território é também uma disputa de idéias quanto aos conceitos de natureza, ambientalismo e de desenvolvimento social e econômico ; 3) o PL 1610/1996, que autoriza a mineração em terras indígenas e traz procedimentos que não garantem a necessária consulta prévia e a autodeterminação dos povos indígenas quanto ao próprio desenvolvimento e gestão de seus territórios. Encontro de Artesãs e Artesãos Indígenas do Juruá Este encontro ocorreu entre os dias 04.02.2017 e 07.02.2017 na Terra Indígena Puyanawa em Mâncio Lima/AC, e é um desdobramento do 1º Encontro de Artesãs Indígenas do Juruá ocorrido em setembro de 2015.

Nota-se, assim, que uma iniciativa que, a princípio, foi das mulheres, posteriormente agregou outros atores e ganhou contornos mais amplos. Foi solicitado que a Defensoria Pública falasse, novamente, de direito das mulheres indígenas e direitos dos povos indígenas, sem que a princípio houvesse uma delimitação, por parte deles, sobre quais temas específicos poderiam ser tratados.

Tive a oportunidade de estar presente como observadora nas atividades do primeiro dia do encontro, quando pude conversar com as lideranças ali presentes e, desse modo, entender o que seria relevante tratar. Assim sendo, quanto à intervenção defensorial nessa oportunidade, cabe destacar os seguintes pontos tratados: 1) O nome indígena como estratégia de reconhecimento e proteção de direitos: o tema do nome indígena já havia sido tratado pela Defensoria Pública na etapa regional da Conferência Nacional de Política Indigenista ocorrida em Rio Branco em 2015.

Todavia, no encontro das artesãs e artesãos, aprofundei um pouco mais o assunto agregando outros elementos a seguir elencados. Inicialmente, cabe destacar que, no encontro dos artesãos, notei que cada um dos participantes, ao se apresentar aos demais na abertura do evento, fez questão de mencionar não apenas o nome que consta em seu registro civil – geralmente o nome em português – e o nome na língua indígena de origem – geralmente inexistente no assento de nascimento.

Outro elemento que foi objeto de bastante debate no encontro foi a problemática de proteção ao patrimônio indígena. Este tema em específico foi tratado mais detidamente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Superintendência de Rio Branco/AC e, em meio as conversas, duas preocupações dos indígenas chamaram a atenção: a) os problemas que eles enfrentam para transportar ayahuasca – que é o chá feito de com o mariri e a chacrona, utilizado nos rituais da maioria dos povos indígenas acreanos, cujo princípio ativo (dimetiltriptamina) é considerado substância psicotrópica proscrita no Brasil (Portaria 344/98 da ANVISA); b) os impasses administrativos e penais ambientais enfrentados pelos indígenas relacionados ao uso de penas e outros materiais de origem animal. Quanto ao ponto “a”, cabe salientar que há resolução do CONAD regulamentando o uso da bebida em tela por membros de entidades religiosas (Santo Daime, União do Vegetal, por exemplo).

Ocorre que o uso da ayahuasca pelos indígenas não tem um significado estritamente religioso, mas sim um sentido social, espiritual e cultural muito mais amplo, fazendo parte de todo um modo de ser, fazer e criar de tais comunidades – protegido, portanto, pela Constituição Federal e pela Convenção 169 da OIT.

No entanto, situação frequente é aquela em que, enquanto um membro de uma entidade religiosa consegue utilizar e transportar a ayahuasca sem qualquer empecilho, os indígenas frequentemente são barrados e sofrem com apreensões. Do mesmo modo, quanto ao ponto “b”, a utilização de penas e outros materiais de origem animal faz parte igualmente da cultura e da arte dos povos indígenas, sendo seu uso, portanto, protegido constitucional e convencionalmente.

Porém, os artesãos não raro sofrem igualmente com apreensões, multas administrativas e responsabilização da seara penal, em que pese tais insumos sejam muitas vezes conseguidos por práticas não predatórias, e ainda que muitas comunidades estejam revendo e diminuindo o uso de tais materiais por meio da substituição por outras matérias-primas.

Um terceiro elemento que foi tratado pelas artesãs e artesãos ali presentes foi o da valorização do artesanato como modo de fortalecimento da identidade coletiva, pontuando a necessidade de garantir o reconhecimento de cada uma das várias culturas indígenas honrando a diversidade, para, dessa forma, agregar valor aos objetos produzidos e permitir a justa distribuição do produto da venda do artesanato tanto para o artesão quanto para a sua comunidade. O que o nome indígena e as normas respectivas têm a ver com tais elementos? Em primeiro lugar, reconhecer no assento de nascimento o nome indígena, a sua etnia, sua aldeia de origem, é, por si, o um dos momentos cruciais em que o Estado Brasileiro reconhece o indivíduo enquanto indígena, enquanto representante de um povo, de um modo de criar, fazer e viver próprios (art. 216, CF).

Diante deste reconhecimento, trabalhei com os participantes o seguinte questionamento: poderia esse mesmo Estado, que reconhece um cidadão como indígena em seu registro civil, puni-lo ou lhe proibir o uso de ayahuasca ou de penas, sendo tais práticas parte de um modo de criar, fazer e viver próprio de seu povo?

Evidente que ter o nome indígena reconhecido no registro civil, por si só, não impediria os problemas acima indicados, mas, com toda certeza, pode abrir campo para uma estratégia que auxilie o exercício e a defesa de direitos. Semelhante raciocínio pode ser utilizado no que diz respeito à agregação de valor aos produtos do artesanato indígena. Evidentemente, um produto produzido por um cidadão com seu nome indígena publicamente reconhecido agrega valor não só econômico, mas cultural, no sentido do reconhecimento da arte de uma comunidade, até mesmo de uma aldeia dentre tantas de uma mesma etnia.

Cabe ainda mencionar outro ponto. Muitos indígenas relataram que os sobrenomes oriundos de seus pais têm origem de apelidos de famílias não-indígenas que utilizavam mão-de-obra escrava indígena na exploração do látex durante os Ciclos da Borracha no Século XX. Nota-se, assim, que a problemática do nome pode ganhar também um viés de reparação histórica.

Enfim, procurou-se colocar as possíveis estratégias de efetivação e proteção de direitos dos artesãos e artesãs indígenas que podem ser criados através do reconhecimento registral do nome indígena, salientando o papel crucial da Defensoria Pública Estadual nesta seara registral.

Neste sentido, ressaltei que as medidas nesta área devem ser objeto de atuação estratégica específica para cada comunidade, afastando-se de uma atuação padronizada, com a devida abordagem antropológica para que se identifique o que é importante, para cada grupo, fazer constar no registro civil de seus integrantes, respeitando a cultura e a organização familiar e social de cada um deles.

2) laudos antropológicos e planos de gestão territorial como instrumentos jurídico-políticos: aproveitando o tema do uso político-jurídico do nome indígena, salientei a possibilidade de apropriação e de fortalecimento, pelas comunidades indígenas, de seus planos de gestão territorial e dos laudos antropológicos que deram origem às demarcações das terras indígenas.

Procurei provocá-los no sentido de ver estes documentos como instrumentos que também têm seu viés político-jurídico, na medida em que podem auxiliar os artesãs e artesãos demonstrarem à sociedade e ao estado a adoção de práticas ambientalmente sustentáveis para extração de matérias-primas utilizadas em sua arte e nos rituais de sua cultura, estabelecer o reconhecimento de suas diferentes organizações sociais e práticas para fins de direcionar políticas públicas, e assim por diante.

III – Parceiros Envolvidos:

Os principais parceiros envolvidos nesse processo foram: 1) A FUNAI – Coordenadoria Regional do Juruá em Rio Branco/AC: colaborou com o fornecimento de dados sobre as populações indígenas, indicando as principais demandas destes quanto aos temas a serem tratados nos encontros, além de dar orientações de ordem prática e antropológica; 2) A Assessoria de Assuntos Indígenas do Governo do Estado do Acre: igualmente, mostrou-se sempre disposta a fornecer documentos e informações a respeito da realidade indígena acreana e sobre as iniciativas do governo e do movimento indígena, ressaltando as suas principais demandas; 3) Johny Fernandes Giffoni: defensor público do Estado do Pará, atualmente no Núcleo de Direitos Humanos da DPE/PA. Tem auxiliado na reflexão a respeito de práticas estratégicas no campo da educação em direitos e atuações da defensoria pública estadual. 4) Marcele Garcia Guerra – pesquisadora formada em Direito e doutora em Antropologia, ambas pela USP. Desde o início, ofereceu orientação teórica e bibliográfica para direcionar a atuação da Defensoria Pública de forma crítica, respeitando o modelo constitucional e convencional.

IV – Resumo dos Resultados Obtidos:

Desde o primeiro convite feito à Defensoria Pública do Estado do Acre em Cruzeiro do Sul/AC por ocasião da etapa local da 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista em 2015, o que se percebe é que esta instituição vem se tornando um novo interlocutor para os indígenas no que diz respeito à promoção dos direitos humanos e do ordenamento jurídico, que até então desconheciam esta possibilidade.

Inicialmente, esta aproximação ocorreu com os indígenas do Vale do Juruá, mas a tendência é que isso se expanda cada vez mais para o restante do estado – o que já é percebido, por exemplo, em relação aos indígenas dos Vales do Envira e de Tarauacá. Creio que este é um primeiro resultado relevante.

Consequentemente, pode-se indicar outro resultado positivo, agora em um aspecto interno à Defensoria Pública: a atuação do núcleo defensorial em Cruzeiro do Sul vem dando uma maior visibilidade aos indígenas dentro da própria instituição, demonstrando que eles carecem de uma abordagem específica e estratégica. Decorrente disto, após provocação da própria Coordenadoria de Cidadania da DPE/AC a esta defensora pública, está-se planejando a realização de um seminário sobreo papel da Defensoria Pública na promoção do Direito dos Povos Indígenas, visando incluir os demais defensores públicos acreanos neste debate e iniciar uma qualificação jurídico e teórica que possa apoiar a prática dos diversos órgãos de atuação, além de abrir espaço aos representantes do movimento indígena acreano para que apresentem suas demandas e, a partir disso, provoquem uma reflexão institucional quanto à formulação de uma política de atuação que tenha em vista as especificidades dos vários povos aqui existentes.

Por fim, é possível notar um terceiro resultado, qual seja, o de ver os indígenas disputarem, cada vez mais, este espaço institucional no âmbito estadual, cobrando medidas da Defensoria Pública do Estado do Acre que atendam às características próprias de suas diversas comunidades, provocando a crescente abertura e qualificação de seus membros para tal finalidade.

GALERIA DE IMAGENS
GALERIA DE VIDEOS

Organização

Apoio