Este caso, apresentado pela Defensoria Pública da União do Estado do Rio de Janeiro, trata do direito à moradia conquistado pelos moradores da Favela do Gato, localizada em São Gonçalo/RJ, em razão da parceria da associação de moradores com a Defensoria Pública da União e com a Universidade Federal Fluminense. A atuação do Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (NEPHU/UFF) da Defensoria Pública da União, Núcleo Regional de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, deu-se em duas frentes distintas: paralelamente à defesa individual dos moradores nas várias ações de reintegração de posse ajuizadas em face dos moradores, foi ajuizada uma Ação Civil Pública, de caráter coletivo. Na apresentação detalhada do caso, estão disponíveis, também, fotos.
Nome da/o(s) Participante(s):
Bernard dos Reis Alô – Defensor Público Federal – Mestrando do Programa do
Regina Bienenstein – Arquiteta e Urbanista, Doutora em Arquitetura e Urbanismo
Eloisa Freire – Engenheira Civil, Doutoranda do Programa de Pós-Gr
Dalton S. Romeiro – CREA 39.079 / MG Engenheiro Analista Técnico DPU
Instituição/Organização/ Movimento Social: Defensoria Pública da União
I – Resumo da Situação-Problema:
Há mais de 25 anos, após resistirem e vencerem a luta contra o projeto oficial de remoção forçada colocado pelo último governo militar, os moradores da Favela do Gato, localizada em São Gonçalo – RJ, a partir de uma parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF) e com apoio da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, se tornaram proprietários da terra. A partir de 2014, uma nova ameaça se fez presente na comunidade: a concessionária AutoPista Fluminense S/A que detém a concessão sobre o trecho da rodovia em que se localiza a Favela do Gato. Tal concessionário iniciou várias ações de reintegração de posse, numa tentativa de remoção parcial da comunidade. Sem qualquer aviso prévio, 30 famílias receberam em suas casas, mandados individuais de intimação de reintegração de posse da Justiça Federal, onde a autora da ação, a supracitada empresa, informava que suas casas estavam ocupando irregularmente a faixa de domínio da referida estrada e que, portanto, deveriam ser demolidas.
A partir daí os moradores, em parceria com o Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (NEPHU/UFF) e com apoio jurídico da Defensoria Pública da União, Núcleo Regional de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, iniciaram uma nova luta pela permanência das famílias afetadas. A origem da luta contra remoção Situada no bairro do Gradim, Município de São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a Favela do Gato está assentada em terreno acrescido de marinha, pertencente à União e que estava sob a guarda do Serviço de Patrimônio da União (SPU), atual Secretaria de Patrimônio da União. Sua ocupação data da década de 1940, quando as primeiras famílias situaram suas moradias e seus quintais na faixa limítrofe ao mar, próxima à linha d’água. A Favela do Gato estava localizada justamente no novo traçado proposto para a estrada, representando, portanto, um impedimento à sua construção. A meta, a exemplo do que havia ocorrido em outros trechos da estrada, era remover rapidamente todo e qualquer empecilho, não havendo intenção de resolver ou buscar alternativas para tratar os problemas da população residente nas diversas favelas atingidas pelo projeto.
Esta não era a primeira vez que essas famílias lá residentes seriam expulsas do local que ocupavam. Muitas delas vieram de outros locais próximos em decorrência da necessidade de expansão da zona industrial ali existente, com seus estaleiros e fábricas de conserva de sardinha, reproduzindo “[…] processos frequentes nas cidades brasileiras, postos em ação pelos atores que modelam a organização do espaço; proprietários dos meios de produção, proprietários de terras, empresas imobiliárias e de construção associadas ou não ao grande capital, e o Estado” (Lobato, 1996, p. 122), restando à população pobre buscar outros lugares para a moradia (Canedo e Bienenstein, 1983; Bienenstein, 1977; Amato, 1968).
Na procura de suporte para a luta que iniciavam, os moradores chegaram ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense com uma pauta de reivindicações clara: concordavam com o reassentamento para outra área, das famílias cujas moradias se encontravam no traçado da estrada, mas queriam a permanência dos demais moradores na área original, assim como a regularização fundiária dos terrenos que ocupavam. O desafio deu origem ao “Projeto Favela do Gato, na Universidade, integrando ensino, pesquisa e extensão. Neste sentido, o Projeto Favela do Gato não resultou de uma política habitacional local, mas foi uma reação à decisão do Governo Federal de promover a remoção total da favela e viabilizar a construção do trecho Niterói-Manilha da rodovia federal BR-101. O Projeto Favela do Gato se desenvolveu dentro de dois eixos principais: o primeiro (1983 e 1984) voltado para impedir a remoção total, assegurando o reassentamento das famílias cujas moradias seriam atingidas pela estrada para outro local, em condições previamente conhecidas e acordadas; o segundo eixo direcionado para a regularização fundiária da parte remanescente da favela. Foram muitos os embates e ameaças. Mas, a organização e a mobilização da população, somadas à parceria estabelecida com a universidade, foram então capazes de abrir um canal de negociação direta com o Ministro dos Transportes, conseguindo o atendimento de todas as reivindicações. Assim, após mais de um ano num processo de resistência e insurgência, a despeito dos tempos em que vivia o país, com o apoio técnico da UFF, conseguiram permanecer e evitar a remoção total.
O respaldo da Universidade foi fundamental para o cumprimento do rito de aprovação dos projetos, sem o qual seria impossível chegar à titulação individual. Mesmo assim, antes de serem aprovados, os projetos foram alvo de várias objeções baseadas sempre em suposições sobre as possíveis consequências de tal ato, em especial, o incentivo que poderia representar para novas ocupações de terra e para o aparecimento de novas favelas. Mesmo com tais objeções, a pressão dos moradores resultou na aprovação do projeto. Com a aprovação do projeto pela Prefeitura, o próximo passo seria a SPU proceder à transferência da terra da Associação para cada morador. A transferência foi acompanhada pela Associação dos Moradores com o apoio da UFF, que trabalhava em duas frentes: junto à SPU, para agilizar a liberação da autorização da doação, e junto à Prefeitura, para conseguir valores simbólicos para o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), o que ocorreu em setembro de 1989.
Restava, então, a etapa final do processo, em que cada morador deveria providenciar a emissão de sua escritura junto ao cartório e sua averbação no Registro de Imóveis. No entanto, o valor excessivamente alto das despesas cartoriais, incompatível com a renda daquelas famílias, apareceu como obstáculo, sendo necessário recorrer ao suporte da Defensoria Pública para que os moradores tivessem acesso à liberação das custas, o que ocorreu através da autorização para utilizar os serviços cartoriais do Estado. Assim, somente após terem conseguido os documentos que lhes permitiriam ter acesso à emissão do título de propriedade, ocorrida em 26 de dezembro de 1990, as 128 famílias remanescentes receberam suas escrituras elaboradas por cartório público e averbadas no Registro de Imóveis. Com isto a luta estava ganha! Depois de titulada, os moradores decidiram coletivamente abandonar a denominação de Favela do Gato e resgatar o nome original da região, passando a chamar-se comunidade Praia do Casenu.
Importante ressaltar que este processo compreendeu, além da regularização fundiária em seu componente legal, a regularização urbanística, permitindo assim, agregar qualidade ao meio ambiente e às condições de moradia. Com isto, estava também garantido o direito à moradia digna para aquelas famílias! Ao longo desse processo, a prefeitura de São Gonçalo apenas aprovou os projetos de regularização urbanística, não tendo realizado qualquer outra ação para melhorar as condições de vida da comunidade. A partir da titulação, a expectativa era de que a Prefeitura passasse a atuar na área, no sentido de sua urbanização. No entanto, logo ficou evidente que isto dificilmente ocorreria, pois, apesar das precárias condições de moradia da maioria da população do município e do predomínio das edificações irregulares, o Executivo Municipal não desenvolvia qualquer ação ou tinha qualquer diretriz voltada para o tratamento da questão da habitação popular. Claro está que na Favela do Gato não seria diferente. Até hoje, tanto a prefeitura de São Gonçalo, que aprovou o projeto de parcelamento do solo, etapa fundamental para a regularização fundiária da Favela do Gato, como o Governo do Estado não consideraram o assentamento em seus respectivos processos de planejamento. Todas as melhorias introduzidas na área foram fruto da ação direta de seus moradores que, em mutirão, canalizaram o esgoto sanitário, implantaram o abastecimento de água e pavimentaram as vias na área, além de realizarem melhorias habitacionais.
Ao longo desses últimos vinte anos, o processo de ocupação provocou o adensamento da área, alterando a proposta inicial do Projeto da Favela do Gato, que era de garantir um lote para cada família. Isto certamente é reflexo da situação de pobreza a que está submetida a população que, frente a situações de emergência, passa a vender ou alugar parte de seu lote para garantir renda adicional ou, ainda, agrega parentes, em especial filhos que, caso contrário não teriam acesso à moradia. Na verdade, este padrão de ocupação do solo evidencia a ausência da Prefeitura nas áreas mais populares, como a da comunidade Praia do Casenu, e também que as normas urbanísticas não fazem parte do repertório dos moradores de antigas favelas, apontando para a necessidade do município, que tem entre suas atribuições a gestão do espaço urbano, se manter presente nas áreas após a titulação, orientando as alterações no uso e ocupação do solo de modo a evitar o retorno à informalidade.
Uma nova ameaça de remoção em 2014
A comunidade da Praia do Casenú foi surpreendida com uma nova ameaça de remoção parcial dos moradores, remoção esta, vinculada às demandas da concessionária responsável pela rodovia BR-101, no trecho compreendido entre Niterói e a divisa com o Estado do Espírito Santo, a AutoPista Fluminense S/A. Sem qualquer aviso prévio, 30 famílias receberam em suas casas, mandados individuais de intimação de reintegração de posse da Justiça Federal, onde a autora da ação, a supracitada empresa, informava que suas casas estavam ocupando irregularmente a faixa de domínio da referida estrada e que, portanto, deveriam ser demolidas. Segundo o contrato de Concessão e de acordo com o que consta no processo que deu origem ao pedido de reintegração de posse, a autora teria legitimidade e interesse de agir, pois atua por Delegação da União Federal, por meio da Agência Nacional de Transporte Terrestre – ANTT, e tem a obrigação de recuperar a faixa de domínio da estrada, inclusive adotando as providências necessárias à sua desocupação quando invadida por terceiros, conforme o Capítulo III, Bens da Concessão, do referido contrato. Observa-se também que a argumentação dos “fatos”, apresentada no processo vem carregada de valores subjetivos e extremamente negativos, com o intuito de denegrir a imagem dos moradores do Casenu, num claro “recrudescimento dos preconceitos sociais e uma identificação mecanicista de pobres como sinônimo de ‘classes perigosas’” (RIBEIRO & AZEVEDO, 1996: 28).
Nesse sentido, coloca-os como aproveitadores e destituídos de qualquer direito, descrevendo-os como “esbulhadores”, afirmando que “a área foi ilegalmente invadida; [que a] ocupação [é] irregular; não [havendo] qualquer autorização ou permissão de uso fornecida aos réus”. Ao final, a autora confirma a ocupação irregular por meio de uma foto da rua e um croqui, sem nenhuma precisão e sem qualquer comprovação sobre a real situação fundiária da área. A partir daí os moradores, em parceria com o NEPHU/UFF, iniciaram uma nova luta para a permanência das famílias afetadas. Com o apoio jurídico da Defensoria Pública da União, Núcleo Regional de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, foram feitas contestações individuais, em resposta a cada mandado de intimação, sendo a elas anexada a documentação comprobatória de que os moradores são reais proprietários de seus lotes.
Logo na primeira audiência de conciliação ficou clara a fragilidade da argumentação da empresa que, para comprovar a suposta ilegalidade da ocupação, apresenta apenas imagens distorcidas do assentamento e solicita a imediata demolição de moradias, o que somente pôde ser desvelado pela presença da Universidade que detinha todas as informações técnicas ainda da época da implantação do novo traçado da BR-101. Na verdade, a comunidade Praia do Casenu (antiga Favela do Gato) é um loteamento legalizado em todas as estâncias necessárias (município e União) e seus moradores são legítimos proprietários de seus terrenos, com escrituras individuais por lote, lavradas em cartório e devidamente registradas no Registro de Imóveis, como também na Secretaria de Patrimônio da União (SPU), e que a área do loteamento foi definida pelo próprio Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), hoje Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), sem que a faixa de domínio de 35m da BR-101 a atingisse, conforme consta na Cláusula Segunda do Contrato de Cessão sob Regime de Aforamento no SPU, que coloca claramente que todas as testadas dos lotes situados na rua Cruzeiro do Sul fazem divisa com a referida faixa. Desse modo, a presença da Universidade e sua articulação com a Defensoria Pública da União na defesa dos direitos daquela comunidade balizou o processo que, a partir daí passou a exigir estudos técnicos aprofundados (levantamento topográfico planialtimétrico detalhado) para dirimir as dúvidas sobre a posição da faixa de domínio. Na verdade, este processo evidencia a prepotência, o pouco caso e mesmo, o autoritarismo com que a parcela mais pobre da população é tratada no escopo da privatização dos serviços públicos. Pouco tempo depois de essa primeira batalha ter sido vencida, o juiz defere parcialmente o pedido de antecipação de tutela, solicitado pela Defensoria Pública da União, em ação civil pública, que determinou que os réus se abstenham de promover a desocupação ou a demolição total ou parcial dos imóveis localizados na comunidade da Praia do Casenú até o final do julgamento da ação. Independente da possibilidade de vitória da comunidade, estes fatos merecem uma reflexão mais aprofundada, considerando que esta ação deverá ameaçar de remoção compulsória milhares de famílias que moram há décadas ao longo da autoestrada, inclusive muitas delas, residentes desde antes mesmo de sua construção.
II – Resumo da Ação e/ou Medidas Judiciais; Extrajudiciais e/ou Políticas Adotadas:
Adotando a ideia de litigância estratégica, a Defensoria Pública da União, em parceria com a UFF e a associação de moradores, optou por laborar em duas frentes distintas. Paralelamente à defesa individual dos moradores, nas várias ações de reintegração de posse ajuizadas pela Autopista, foi ajuizada ação civil pública, ação de caráter coletivo, em face da União, da ANTT e da Autopista. A ação coletiva teve como escopo não apenas tutelar os direitos de todos os moradores da região, inclusive aqueles ainda não demandados, mas também demonstrar ao juízo que não se estava diante de direitos meramente individuais, mas sim de questão de amplo espectro, envolvendo uma coletividade e capaz de gerar sérios impactos sociais na região. Na ação civil pública foi trabalhado o argumento do direito à moradia, isto é, o direito da população de baixa renda que reside na Comunidade Praia do Casenú de ver afastado o risco de perda de seus lares, em virtude de eventual ação arbitrária da parte ré, com consequente demolição de suas residências. Foi requerida, em sede de tutela antecipada, ordem judicial, a fim de que os réus fossem impedidos de praticar quaisquer atos tendentes à retirada dos moradores. Ademais, pugnou-se pela intimação da Universidade Federal Fluminense, através de seu Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos, na qualidade de amicus curiae, a fim de prestar assessoria técnica para o correto deslindar da controvérsia. No próprio ato de ajuizamento, a inicial já foi instruída com parecer técnico da UFF, corroborando a procedência do pedido. O exemplo em tela traz uma peculiaridade, uma vez que o contato efetivo entre a Defensoria e a Associação de moradores ocorreu através de professores da Universidade Federal Fluminense (UFF), que acompanhavam a luta pelo direito de moradia. Tal contexto é deveras interessante, pois demonstra a possibilidade de cooperação entre atores sociais, agregando, nas palavras de Bourdieu, “capital social” na defesa dos movimentos hipossuficientes organizacionais. Foi deferido parcialmente o pedido de antecipação de tutela, para determinar que os réus se abstivessem de promover a desocupação ou a demolição total ou parcial dos imóveis localizados na comunidade da Praia do Casenú, até o trânsito em julgado ou decisão judicial em contrário. Tal ordem vigora até o momento.
III – Parceiros Envolvidos:
A Defensoria Pública é, nos termos do art. 134 da Constituição da República de 1988, instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita aos necessitados. A expressão “necessitados” (art. 134, caput, da Constituição), que qualifica e orienta a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos), enfim, todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, “necessitem” de assistência jurídica, integral e gratuita para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado.
No caso em tela, houve a atuação da Defensoria Pública da União, ramo da Defensoria Pública responsável pela defesa dos necessitados perante todo Poder Judiciário da União, englobando Justiças Federal, Militar, Eleitoral e do Trabalho. A Universidade Federal Fluminense é uma instituição pública de Ensino Superior com sede em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, criada pela Lei nº 3.848, de 18 de dezembro de 1960, com o nome de Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e a partir da Lei nº 4.831, de 5 de novembro de 1965, passando a ter o nome atual. Conta com doze institutos, nove faculdades e cinco escolas, além de dois colégios agrícolas. Os 65 cursos de graduação oferecidos pela UFF têm matriculados, no total, mais de 21 mil alunos. O Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (NEPHU/UFF) faz parte da Pró – Reitoria de Extensão da Universidade Federal Fluminense e, desde 1982 se dedica ao trato da questão urbana, com ênfase na questão da habitação de interesse social e regularização fundiária.
O trabalho do NEPHU/UFF privilegia a inter e transdisciplinaridade, através de uma atuação que articula atividades de ensino, pesquisa e extensão, perpassando pelas diversas Pró – Reitorias, unidades acadêmicas e departamentos de ensino. Sua equipe é formada por professores, técnicos e estudantes de graduação e pós-graduação de diversas áreas do conhecimento da Universidade entre elas, arquitetura e urbanismo, engenharia, geografia, geoprocessamento, comunicação, ciências sociais, serviço social e direito. Seu objetivo geral é a melhoria da qualidade de vida da população, priorizando os grupos de baixa renda que a ele recorrem. Como parte integrante de uma Universidade Pública, tem por objetivos específicos formar profissionais aptos a lidar com a realidade do país; apresentar respostas técnico-científicas às solicitações postas pela sociedade; desenvolver pesquisas que tragam benefícios aos mais amplos contingentes populacionais; levar às pessoas recursos científicos de caráter inovador; instruí-las no encaminhamento de suas reivindicações, buscando sempre a superação dos problemas que afligem a maioria da população. Em resumo, visa restituir, em forma de serviços e pesquisas relevantes e necessárias, os recursos que recebe de toda a sociedade. Os estudos e projetos desenvolvidos pelo NEPHU/UFF são gerados a partir das solicitações de assessoria técnica encaminhadas pela população de baixa renda, via seus órgãos representativos ou pelo poder público. Em sua atuação o Núcleo busca integrar o trabalho técnico com a participação social e o protagonismo dos grupos sociais organizados, através de lideranças políticas e comunitárias, bem como a cooperação técnico-científica com instituições públicas e organizações não governamentais.
A Associação dos Moradores da Favela do Gato é uma entidade civil, fundada em 11 de novembro de 1982, inscrita no CNPJ sob o n° 30.176.580/0001-33. Sua origem é resultado da organização e da mobilização da população contra a remoção total e pelo direito de permanência em seu território, em um período de regime político autoritário, onde existia uma situação de forte centralização política e impedimento da participação política e social. Toda a luta ocorreu num processo de resistência e insurgência que contemplou algumas inovações, como alterações no projeto da rodovia BR-101 e regularização fundiária plena com redesenho urbanístico. Contudo, este percurso não se deu de forma linear e tranquila. Desafios e dificuldades foram enfrentados, demandando o redesenho de estratégias de luta, envolvendo outros grupos sociais, cuja organização e parceria têm contribuído para a luta por uma cidade justa e democrática. Além disso, todo este processo despertou nos moradores a consciência de seus diretos e a necessidade de sua organização para criar alternativas para introduzir melhorias na comunidade, tento em vista que, mesmo após a titulação, tanto a Prefeitura de São Gonçalo, como o Governo do Estado mantiveram o assentamento excluído em seus respectivos processos de planejamento. Assim, todas as melhorias no espaço construído foram resultantes da ação direta de seus moradores, incluindo a implantação da canalização do esgoto sanitário, do abastecimento de água e a pavimentação das vias na área realizadas por mutirão. Outras melhorias foram resultado da pressão e de negociações com a Prefeitura, incluindo a construção da sede para o programa municipal “Médico de Família”; um Centro Comunitário, construído através de mutirão remunerado, com recursos financeiros do governo alemão conseguidos pelo NEPHU/UFF, e a sede da Associação dos Pescadores, construída junto à Praça de Peixe original, que teve suporte financeiro da Colônia de Pesca Z-8. A consciência de coletividade e de cidadania construída durante este processo de luta pela posse da terra também permitiu que a comunidade reagisse à tentativa de remoção parcial das moradias, a partir da ação de reintegração de posse iniciada pela concessionária AutoPista Fluminense S/A. A partir daí, a população da Favela do Gato, consciente de seus direitos à cidade, em parceria com o NEPHU/UFF e com a Defensoria Pública da União, Núcleo Regional de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, iniciam uma nova luta para a permanência das famílias afetadas.
IV – Resumo dos Resultados Obtidos:
Como já colocado, após o ajuizamento de Ação Civil Pública, foi deferido parcialmente o pedido de antecipação de tutela para determinar que os réus se abstivessem de promover a desocupação ou a demolição total ou parcial dos imóveis localizados na comunidade da Praia do Casenú, até o trânsito em julgado ou decisão judicial em contrário. Tal ordem vigora até o momento. Atualmente, as partes aguardam a realização de perícia judicial, por perito determinado pela Justiça Federal. De acordo com Ana Valéria Araújo, considera-se litigância estratégica uma ampliação da noção tradicional do Direito, através de ações de advocacy e comunicação, com o objetivo de viabilizar políticas públicas que defendam e efetivem direitos dos diversos segmentos vulneráveis da sociedade. Ela é “estratégica” porque apresenta dimensão emblemática, capaz de criar precedentes e gerar resultados positivos. Tais resultados terão efeito multiplicador, transformando-se em exemplos bem-sucedidos a serem aplicados em outros casos similares, possibilitando assim um salto na garantia dos direitos humanos.
No presente caso, consideramos a atuação judicial da DPU, em parceria com a UFF e a associação de moradores, um exemplo exitoso de litigância estratégica, uma vez que a tutela do direito à moradia de uma coletividade de cidadãos vulneráveis se deu através de uma parceria ainda pouco explorada, mas com futuro promissor, entre relevantes atores sociais, quais sejam, Universidade Pública e Defensoria Pública. Tal modelo de cooperação pode ser expandido em favor de populações hipossuficientes, financeira ou organizacionalmente (comunidades carentes, moradores de rua, indígenas, quilombolas, assentados etc.), empoderando a sociedade civil de arcabouço técnico, através das Universidades, e jurídico, através da Defensoria, altamente qualificados, funcionando como importante instrumento de garantia dos direitos humanos.