Este caso, apresentado pela Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, trata do direito à moradia das famílias localizadas nas imediações da Rua Sustenido e Becos Adjacentes na Vila Santana do Cafezal, Aglomerado da Serra, maior conjunto de Vilas e Favelas da Capital Mineira. Em 2013, após diversas tentativas de remoções extrajudiciais, o Município de Belo Horizonte ingressou com ação ordinária, requerendo a remoção e demolição, inicialmente, de 69 casas populares que supostamente estariam em situação de risco geológico por escorregamento da encosta (“rastejo”). A atuação da Defensoria Pública se deu com a defesa dos moradores na referida ação ordinária e com a propositura de uma Ação Civil Pública com pedidos liminares de suspensão das ações de demolição dos imóveis até a realização de perícia técnica que pudesse, nos moldes da legislação federal, atestar realmente o risco alegado pelo Município. Na apresentação detalhada do caso, estão disponíveis, também, vídeos, fotos, notícias, além da página da Vila Pomar do Cafezal no Facebook.
Nome da/o(s) Participante(s):
Lucas Diz Simões – Defensor Público
Cleide aparecida Nepomuceno – Defensora Pública
Instituição/Organização/ Movimento Social: Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais
Estado: Minas Gerais
I – Resumo da Situação – Problema
A Defensoria Pública tomou conhecimento de que o Município de Belo Horizonte, após diversas tentativas de retirada forçada extrajudiciais, havia ajuizado no início de 2013, ação ordinária com pedido de remoção e demolição inicialmente de 69 casas populares que supostamente estariam em situação de risco geológico por escorregamento da encosta (“rastejo”), localizadas nas imediações da Rua Sustenido e Becos Adjacentes na Vila Santana do Cafezal, Aglomerado da Serra, maior conjunto de Vilas e Favelas da Capital Mineira. Na demanda judicial não havia qualquer proposta de reassentamento para os moradores. A Municipalidade fundamentou o pedido com um relatório da Defesa Civil e outro da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte – URBEL, integrante da Administração Indireta do Município (sociedade de economia mista) e responsável por intervenções urbanas em Vilas e Favelas da cidade. Os relatórios apontavam algumas evidências do sugerido risco de escorregamento, mas o Município não apresentou ao processo relatórios individualizados das 69 moradias que pretendia primeiramente remover por estarem sob perigo.
O local objeto do conflito é uma área privada, abandonada por seu proprietário do setor imobiliário; a pessoa jurídica Fayal S.A.. Portanto, ao menos em tese, não há conflito possessório, não obstante, alguns moradores e movimentos sociais, porem em suspeita interesse velado na extensa e privilegiada gleba, também conhecida como terreno Fayal. A área está inserida em uma Favela consolidada em Belo Horizonte, localizada na valorizada região Centro-Sul, bem próxima (a poucos metros) da “cidade formal”. A localidade havia sido objeto de um loteamento registrado antes da Lei 6766/1979, mas não implantado de fato. A abertura das ruas pelos moradores não coincide com as ruas aprovadas no cadastro de planta levado ao registro junto ao respectivo Cartório de Registro de Imóveis. A ordem de demolição das casas foi concedida em 1ª instância com fundamento jurídico no risco à vida que, segundo o magistrado, se sobrepunha ao direito à moradia. Após cassado tal julgado que deferiu a antecipação de tutela em recurso de agravo de instrumento manejado pela Defensoria Pública, o Município, no final de 2013, intentou nova ação demolitória, com concessão de outra tutela de urgência, que mais uma vez foi reformada depois da interposição de um 2º agravo de instrumento pela Defensoria.
Como será detalhado adiante, além de apresentar defesa e recursos nas ações ordinárias do Município, a Defensoria Pública também ajuizou uma Ação Civil Pública em favor dos moradores. Nessa ação coletiva (ACP), uma Associação de Moradores da Vila Lambertucci, ou seja, de moradores de imóveis regularizados no Bairro, próximos da Rua Sustenido, em ruas consideradas como “cidade formal”, peticionou como terceiro interessado defendendo a retirada dos moradores da Vila, com a intenção de que a região não fosse ocupada por eles, mas que tivesse uma destinação diferente. Com o passar dos anos, o número de moradores na área aumentou, hoje passando de mais de 100 famílias.
II – Resumo da Ação e/ou Medidas Judiciais; Extrajudiciais e/ou Políticas Adotadas: Ação E/Ou Medidas Judiciais
A Defensoria Pública além de apresentar 02 recursos de agravo de instrumento contra decisões liminares de demolição das casas e remoção dos moradores nas 02 ações ordinárias movidas pelo Município (ambas com litisconsórcio passivo), também ajuizou uma Ação Civil Pública em que discorre sobre o direito à moradia, à regularização fundiária, ao Sistema Nacional de Proteção de Áreas de Riscos. Nesta ACP a Defensoria Pública fez pedidos liminares para suspender as ações de demolição dos imóveis até a realização de perícia técnica que pudesse, nos moldes da legislação federal, atestar realmente o risco alegado pelo Município. Foi pedido ainda que, caso as pessoas fossem removidas, as casas de cada uma delas não fossem demolidas até a realização da perícia, garantindo o reassentamento digno a todas elas até a resolução da demanda, inclusive por meio de bolsa moradia de R$ 700,00, acima dos R$ 500,00 previstos na legislação municipal em função da realidade de mercado na região.
Na Ação Civil Pública, o juízo de 1º grau indeferiu os pedidos de tutela antecipada, o que desafiou a interposição de recurso de Agravo de Instrumento por parte da Defensoria Pública. O agravo foi parcialmente provido conforme acórdão publicado em 11/07/2014, que acatou parcialmente os pedidos liminares e impôs aos réus as seguintes obrigações pleiteadas: 1) apresentação de relatório descritivo fotográfico determinando e indicando 69 (sessenta e nove) habitações aptas a receberem as famílias ameaçadas por risco geológico, no prazo de 60 dias. 2) Na impossibilidade de indicação das habitações, o pagamento de aluguel no valor de R$ 700,00, bem como a realização do transporte delas e seus pertences (mobiliários); 3) A abstenção de demolição das moradias que se encontram na área de risco, salvo, ante a premente necessidade de desfazimento de algumas delas com vistas à realização das obras de contenção da encosta, ou quaisquer outras, deve o juízo ser previamente comunicado. 3) monitoramento do local para evitar depredação e novas ocupações. 4) apresentação de relatório de cadastramento social das 69 (sessenta e nove) famílias envolvidas, além da inclusão de todas elas na Política de Habitação do Município, no prazo de 60 (sessenta) dias; 5) apresentação de projeto preliminar de estudos de engenharia, arquitetura e geologia constante do item C da inicial, no prazo de 90 (noventa) dias.
É importante salientar que antes do julgamento do Agravo de Instrumento contra o indeferimento dos pedidos liminares em sede de Ação Civil Pública, havia sido interpostos, por parte da Defensoria Pública, 02 agravos de instrumento nas ações ordinárias ajuizadas pelo Município contra as decisões que determinaram a demolição dos imóveis. Antes do julgamento dos recursos de Agravo de Instrumento da Defensoria Pública contra o deferimento dos pedidos de remoção e demolição dos imóveis em 02 ações distintas, os moradores passaram a se organizar e se uniram a movimentos sociais de luta pela moradia da cidade de Belo Horizonte; como o Brigadas Populares, participando inclusive de um ato de ocupação do prédio da Prefeitura Municipal que resultou em um acordo com o Poder Público no qual este se comprometia a transformar várias ocupações de Belo Horizonte, inclusive a da Rua Sustenido, em área especial de interesse social. O Tribunal de Justiça homologou o acordo entre o Município e os moradores, conforme decisão do Relator do Recurso do Tribunal de fl. 303 dos autos do processo 0024.13.023.017-0, culminando com a perda do objeto dos 02 recursos de Agravo de Instrumento nas 02 ações demolitórias. Paralelamente à atuação judicial, a Defensoria Pública e o Ministério Público realizaram uma reunião com a participação de representantes do Poder Público antes do julgamento do Agravo de Instrumento nos autos da Ação Civil Pública. Essa reunião resultou em um acordo onde as partes litigantes e o Ministério Público, por meio de petição dirigida ao Juiz da causa, consentiram em realizar uma perícia judicial para indicar a situação de risco geológico dos imóveis localizados Vila Cafezal na Rua Sustenido. A petição foi protocolada nos autos da Ação Civil Pública. Em função deste acordo os processos ajuizados pelo Município de Demolição das moradias foram suspensos até a realização da perícia judicial. A perícia judicial ainda não foi realizada, mas o Município e a URBEL foram intimados para cumprir a decisão judicial de segunda instância, sob pena de multa, o que os incentivou a procurar a Defensoria Pública para um acordo, que foi realizado, conforme detalhamento abaixo.
Ação E/Ou Medidas Extrajudiciais E/Ou Políticas Adotadas
Apesar da liminar obtida pela Defensoria na ACP em segunda instância com trânsito em julgado, o Município sempre insistiu – como confirmam várias notícias veiculadas na mídia de que a área, identificada por eles como complexo da Rua Sustenido, era a situação mais grave de risco geológico do Município de Belo Horizonte. Indignados com a pressão da Municipalidade e midiática sobre o caso, foram feitos por moradores grafites de protestos. A Defensoria Pública nesta atuação política e extrajudicial contou com a colaboração da Associação dos Arquitetos Sem Fronteira – ASF e do geólogo Gilvan Brunetti Aguiar, que de forma graciosa, para ajudar os moradores, emitiu parecer técnico refutando as evidências de risco geológico por escorregamento (rastejo) da encosta, apontadas pelo Relatório da URBEL e da Defesa Civil, informando haver apenas riscos pontuais sanáveis. Os Arquitetos Sem Fronteira – ASF ajudaram ainda os moradores a identificarem as situações de riscos pontuais da encosta e a realizar nestes locais projetos de paisagismo para educar os moradores sobre a não edificação destes. Os moradores criaram um Pomar, com a plantação em regime de mutirão de árvores frutíferas visando auxiliar na contenção da encosta e servir toda a comunidade, também realizaram várias atividades para arrecadar fundos para prosseguir na mobilização contra a política higienista do Município, como bazares de roupas usadas e outros utensílios e festas juninas. Foi construída ainda uma sede comunitária e banheiro autônomo comunitário para atender as famílias na realização das atividades do Bazar, reuniões assembleias etc. Eles fizeram ainda com esforço deles e de colaboradores, incluindo os Arquitetos Sem Fronteira – ASF e o grupo Engenheiros da Alegria, uma escada hidráulica para passagem da água de chuva que desce pela encosta, como medida de contenção de riscos na encosta. Ao todo, já foram mais de 40 mutirões para plantação do Pomar, edificação da sede da comunidade, escada hidráulica etc. Assim, os moradores passaram então a identificar o local com um NOVO nome: parte da região antes nominada Vila Santana do Cafezal, passou a se chamar Vila Pomar do Cafezal. Como símbolo de resistência e mobilização social, fora edificado um Memorial do Pomar do Cafezal, contendo inclusive os nomes dos Defensores Públicos Lucas Diz Simões e Cleide Aparecida Nepomuceno pela atuação no caso. Criaram ainda grupo no Whatsapp e até uma página no Facebook e livro de registro de ata das reuniões e informativos periódicos sobre a atuação e mobilização da Vila.
Em 2015, o Município publicou uma matéria apontando o risco geológico do local e informando que a Defensoria Pública estava impedindo a retirada dos Moradores. A Defensoria Pública exerceu o direito de resposta em favor dos moradores publicando uma Nota no mesmo veículo de comunicação onde foi publicada a reportagem do Município sobre o local. Desde o ajuizamento da ação, a Defensoria Pública fez várias visitas ao local com a intenção de transmitir informações aos moradores sobre o andamento da ação judicial, bem como para conhecer melhor a realidade deles a fim de ter subsídios para a constante defesa deles. Foram também realizadas reuniões na sede da Defensoria Pública com a presença de movimentos sociais, representantes dos Arquitetos Sem Fronteiras – ASF e do Geólogo Gilvan Brunetti Aguiar. Também foram realizadas audiências públicas na Câmara Municipal de Belo Horizonte para oitiva dos moradores em relação à pretensão deles de consolidação da Vila, regularização Fundiária e transformação da área em área de especial interesse social. Infelizmente, o Poder público não cumpriu a promessa, ao menos por enquanto, de classificar a Vila como AEIS ou ZEIS, pois não enviou a proposta na última conferência urbana e a Vila não está inserida no rol de Vilas que serão classificas como AEIS, conforme projeto de Lei que foi enviado para votação na Câmara dos Vereadores. Durante o último período chuvoso, em 2015, a Defesa Civil do Município procurou a Defensoria Pública e o Ministério Público com a intenção de atuar no local emitindo alerta de chuvas para os moradores. A Defensoria Pública e o Ministério Público estiveram na Vila, reunidos com os moradores, que concordaram em passar os números celulares ao Coordenador da Defesa Civil, para recebimento dos alertas, bem como para receberam na Vila representantes da Defesa Civil para realização dos trabalhos de rotina. A Defesa Civil esteve no local e emitiu várias notificações. A Defensoria Pública requisitou cópia destas notificações e solicitou a ajuda de dois geógrafos, da Associação Arquitetos Sem Fronteira – ASF. Eles fizeram um relatório onde apontaram que apenas 3% das notificações estavam inseridas dentro da Vila Pomar do Cafezal, as demais estavam localizadas em outra região do Aglomerado da Serra. A Defensoria Publica expediu um ofício requisitando providências e a realização de novas vistorias tendo em vista que as notificações não pertenciam à Vila Pomar do Cafezal. Em função do acordo realizado com o Poder Público, abaixo relatado, a requisição (ofício) perdeu o objeto.
III – Parceiros Envolvidos
A Defensoria Pública pauta seu trabalho pelo constante diálogo com seus assistidos. Os órgãos de execução responsáveis pela condução deste caso estão, inclusive, incluídos em grupos de whatsapp de moradores e apoiadores da Vila Pomar do Cafezal e também em placa de inauguração da Vila Pomar do Cafezal, conforme foto anexa. Foi imprescindível para o sucesso da defesa estratégica dos moradores a cooperação dos Arquitetos Sem Fronteira – ASF, que além de auxiliar os moradores a separarem o local que não poderia ser destinado à ocupação, implantando ali um pomar com pequenas árvores frutíferas, eles também deram subsídios para a Defensoria Pública refutar as alegações de risco geológico esclarecendo que no local, apesar de haver áreas com camadas de aterro, o maciço rochoso tem uma formação favorável à ocupação.
Houve também ajuda dos Engenheiros da Alegria, Pastoral da Terra, Professores de Arquitetura e Ciências Sociais da PUC/MG e UFMG, estudantes, vereador Adriano Ventura e de movimentos sociais como o Brigadas Populares. Igualmente relevante, foi o parecer do Geológico Gilvan Brunetti Aguiar, que foi anexado aos autos e que também havia se comprometido a ser assistente técnico da Defensoria Publica no momento da realização da instrução processual. Há também de se ressaltar a participação do Ministério Público, por meio da Promotoria de Direitos Humanos, que se mostrou totalmente sensível à ameaça de remoção involuntária e sem reassentamento dos moradores da Vila Pomar do Cafezal. O representante do Ministério Público, além de dar parecer favorável na Ação Civil Pública da Defensoria Pública, visitou a Vila junto com a Defensoria Pública por duas vezes, participou de reuniões e do acordo extrajudicial.
IV – Resumo dos Resultados Obtidos
Recentemente, o Juiz de 1º grau intimou o Município de Belo Horizonte a cumprir a decisão do Tribunal de Justiça e a Defensoria Pública foi procurada para fazer um acordo parcial. Esse acordo consistiu na Assinatura de um Termo de Acordo no qual a URBEL se compromete a revisar o relatório de risco geológico por escorregamento da encosta. Após esse relatório, as partes já acordaram em submeter o caso à Câmara de Mediação do CREA Minas, que tem um convênio com a Defensoria Pública, para firmar tratativas a respeito de eventuais moradias que tenham de ser removidas, mas o Poder Público já se convenceu, em manifestação externada em reuniões realizadas em 2017, de que haverá necessidade de remoção de pouquíssimas famílias. A Defensoria Pública sustentará que além da manutenção da posse, medidas serão necessárias para garantir a permanência das famílias no local como obras de saneamento básico e de drenagem pluvial além de incentivo para continuidade do Projeto do Pomar da Vila. Em síntese, a atuação da Defensoria Pública e dos parceiros mencionados proporcionou a organização da Comunidade que até se identificou com um nome por elas escolhidos, Vila Pomar do Cafezal e proporcionou a permanência dos moradores e a revisão do posicionamento do Município em relação à questão, dando oportunidade para criação de um ambiente de diálogo.
Foram beneficiadas mais de 100 famílias até então, já que, além das 69 habitações iniciais existentes em 2013, outras dezenas foram construídas ao longo dos anos. E, muito mais que a moradia, a atuação defensorial assegurou ainda o empoderamento da comunidade, que hoje já não aceita mais pressões feitas no passado pelo Município e que culminaram na saída de muitas famílias sem fornecimento de indenização ou outro auxílio sequer. Ademais, em função da marcante característica da interdisciplinaridade dos direitos humanos, foi garantido o emprego daqueles que trabalham nas proximidades, já que, como sabido, o empregador costuma não aceitar pagar 02 passagens dos removidos para locais distantes. Sem contar a saúde, saneamento básico, educação, transporte etc, que costumam ser suprimidos nos chamados “guetos” que são locais distantes sem infraestruturais públicas para quais os despejados sem alternativas se mudam, implicando em verdadeiro caos com repercussões sociais negativas catastróficas.
V – Documentos