ATUAÇÃO ESTRATÉGICA DA DEFENSORIA PÚBLICA EM DEFESA DOS DIREITOS DAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL

Resumo

Este caso, apresentado pela Defensoria Pública do Estado da Bahia, trata de direitos de crianças e adolescentes e direitos das mulheres, especialmente, de violência sexual e de gênero. As atividades do Projeto Viver – Serviço de Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual, localizado no Município de Salvador, encontravam-se prejudicadas em virtude da falta de profissionais atuando em quantidade adequada no serviço. Em razão disso, a Defensoria Pública realizou audiências públicas e ingressou com uma Ação Civil Pública, a fim de assegurar os direitos de todos aqueles que precisam do Serviço Viver funcionando em seu perfeito estado.

O Caso

 

Nome da/o(s) Participante(s):

Laíssa Souza de Araújo Rocha – Defensora Pública

Gisele Aguiar Ribeiro Pereira Argolo – Defensora Pública

 

Instituição: Defensoria Pública do Estado da Bahia

 

Estado: Bahia

 

I – Resumo da Situação-Problema

Por meio de atendimentos individuais, bem como a partir de denúncias de representantes da sociedade civil, chegou à Defensoria Pública do Estado da Bahia a notícia de que as atividades do Projeto Viver – Serviço de Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual, localizado no Município de Salvador, encontravam-se prejudicadas em virtude da falta de profissionais atuando em quantidade adequada no serviço. Ciente do déficit de funcionários, a Defensoria Pública, representada pelas Defensoras Gisele Aguiar Argolo e Laíssa Souza de Araújo Rocha participaram de uma reunião realizada no dia 07 de abril de 2016, na sede do Projeto Viver, a qual contou também com as presenças da psicóloga da Defensoria, Vanina Miranda da Cruz, do Coordenador do VIVER e demais funcionários do Serviço. No referido encontro foi relatado que o VIVER contava com reduzido quadro de profissionais ( diga-se a maioria através de vínculo precário, ou seja, REDA – Regime Especial de Direito Administrativo), em razão da morosidade e desinteresse na contratação de novos funcionários pelo Poder Público. Foi noticiado, ainda, que em virtude de tal déficit, o horário de funcionamento do Serviço foi reduzido, deixando de funcionar 24 horas todos os dias da semana para funcionar tão somente de segunda a sexta, das 07h00min às 19h00min, resultando, por conseguinte, num aumento considerável da fila de espera dos usuários para atendimento.

Por fim, a Defensoria Pública foi informada que o VIVER estava funcionando em apenas uma das suas unidades, aquela situada do IML- Instituto Médico Legal, tendo sido interrompida as atividades da unidade PERIPERI, ainda como reflexo do número reduzido de funcionários. A pedido da Defensoria Pública foi encaminhada uma vasta documentação pelo VIVER. Por meio desta se pode inferir que a direção do Serviço já havia provocado a Secretaria de Segurança Pública, órgão do Estado da Bahia, no qual o VIVER encontra-se vinculado. A partir da documentação encaminhada pôde-se depreender que a insuficiência de profissionais causara grandes prejuízos, sobretudo para as crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, já que estes representam 80% (oitenta por cento) do público que recebe atendimento no VIVER. Inclusive, segundo os dados apresentados em 2015, obteve-se um total de 561 (quinhentos e sessenta e um) atendimentos, sendo que destes, 440 (quatrocentos e quarenta) foram formados por crianças e adolescentes. Além disso, mister ressaltar que mais de 95% das vítimas que chegam ao VIVER são do gênero feminino. Em consonância também com as informações fornecidas pela Diretora do Núcleo de Atenção a Pessoas em Situação de Violência Sexual (NAPSV – VIVER), através do Ofício nº 153/2016, em resposta ao Ofício DEDICA nº 145/2016, que a situação ATUAL do VIVER é a seguinte: a) A sede de PERIPERI encontra-se com atendimento suspenso temporariamente; b) A sede do IML está funcionando com 14 (catorze) profissionais, dentre os quais tem – se 08 (oito) funcionários que compõe o pessoal técnico; 02 (dois) Psicólogos; 02 (duas) Assistentes Sociais; 02 (duas) Enfermeiras; 02 (duas) Médicas e 06 (seis) funcionários que compõe o pessoal administrativo; 01 (um) Diretor; 01 (um) Coordenador Administrativo; 01 (um) Coordenador Técnico; 01 (uma) Secretaria; 01 (um) Motorista; 01 (um) Servente.

De acordo ainda com o material encaminhado para a Defensoria Pública, para o atendimento da demanda existente de aproximadamente 50 (cinquenta) atendimentos mensais, o núcleo DEVERIA, primeiramente, voltar a funcionar em duas unidades (Periperi e IML) e contar com, no mínimo: a) Na sede do IML; 08 (oito) psicólogos; 05 (cinco) assistentes sociais; 03 (três) enfermeiras; 06 (seis) médicas; 06 (seis) advogados; 06 (seis) técnicos administrativos; 01 (um) diretor; 01 (um) coordenador administrativo, 01 (um) coordenador técnico; 01 (uma) secretaria; 03 (três) recepcionistas; 01 (dois) motoristas e 01 (um) servente. Bem como, deve funcionar 24h todos os dias. b) Na sede de Periperi: 03 (três) psicólogos; 02 (duas) assistentes sociais; 02 (dois) advogados; 01 (um) coordenador administrativo; 02 (duas) recepcionistas e 01 (um) servente. Bem como, deve funcionar das 07h00min as 19h00min, de segunda a sexta feira. Ressalte-se ainda que a última seleção realizada para provimento de cargos no VIVER ocorreu no ano de 2013. De mais a mais, como as referidas vagas são de caráter precário, cujo contrato de trabalho tem duração de 2(dois) anos prorrogáveis por igual período, o serviço ameaça ser extinto em 2017 (quando findam os últimos contratos de trabalho), devido à falta de profissionais.

O Projeto Viver é considerado como de extrema importância para a reestruturação daqueles que foram vítimas de violência sexual, afinal, apresenta em sua estrutura organizacional um quadro de diferentes setores que integram uma equipe multidisciplinar. Outrossim, é o único na Bahia especializada no atendimento de pessoas em situação de violência sexual. Por se tratar de uma demanda de grupos vulneráveis diversos, criança e adolescente, bem como mulher. A Defensoria Pública optou por atuar de maneira transversal, através de duas das suas Especializadas, de Direitos Humanos (a qual abarca o NUDEM – Núcleo de Atendimento à Mulher) e de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. Deste modo, ante a crítica situação do Projeto, e em respeito à sua missão institucional de promover políticas públicas, foi instaurado Procedimento Administrativo para Apuração de Dano Coletivo (PADAC) por esta Defensoria Pública, com a finalidade de apurar a conduta omissiva do Estado da Bahia no que diz respeito à contratação de novos profissionais.

O projeto VIVER e a dimensão social do conflito o viver

Foi criado no mês de dezembro do ano de 2001 visando o oferecimento de um atendimento integral às vítimas de violência sexual. Inicialmente, possuía sede apenas no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, tendo, posteriormente, sido ampliado para o Distrito Integrado de Segurança Pública (Disep), em Periperi, Subúrbio Ferroviário de Salvador. No entanto, atualmente, apenas se encontra em funcionamento a sede do IML. A Portaria nº 620/2012 subordinou administrativamente o Serviço de Atenção a Pessoas em Situação de Violência Sexual (VIVER) à SPREV – Superintendência de Prevenção à Violência, a qual foi incluída no âmbito da estrutura organizacional da Secretaria de Segurança Pública com a Lei nº 12.374/2011. O serviço fornecido pelo VIVER representa uma ampliação do alcance da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia, na medida em que esta deixou de ser restrita aos modelos médico-pericial e investigativo, passando a fornecer uma assistência à vítima do crime, demonstrando que a segurança pública não se resume à atividade punitiva estatal, mas inclui também o acolhimento da vítima e dos familiares em momento de notável fragilidade.

O Projeto Viver é considerado como de extrema importância para a reestruturação daqueles que foram vítimas de violência sexual, afinal, apresenta em sua estrutura organizacional um quadro de diferentes setores que integram uma equipe multidisciplinar. O serviço prestado pelo VIVER inclui o acolhimento e acompanhamento social, psicológico, atendimento e acompanhamento médico ambulatorial, fornecimento de contracepção de emergência, profilaxia de DST e AIDS, além de atendimento e acompanhamento de familiares, os quais possuem também um acompanhamento jurídico. Mister ressaltar que, o projeto também apresenta uma linha de atuação voltada para a capacitação dos policiais e demais profissionais, a fim de que seja fornecido um atendimento adequado à vítima de violência sexual, evitando-se um processo de revitimização, que também pode vir a gerar danos psicológicos na vítima.

É válido destacar inclusive que desde a sua criação até o mês de outubro do ano de 2015 o VIVER chegou a realizar o atendimento de 11.271 (onze mil duzentos e setenta e uma) vítimas de violência sexual, além de familiares. Em virtude do número de profissionais em quantidade suficiente atuando no serviço, diversas crianças e adolescentes, bem como mulheres, passaram a sofrer violações em seus direitos e garantias fundamentais, dado que o órgão da assistência social não mais possuía recursos humanos suficientes para a prestação do serviço à população. A morosidade e desinteresse na contratação de novos funcionários pelo Poder Público interferiram, inclusive, no horário de funcionamento do serviço que, inicialmente, estava aberto todos os dias da semana 24hs o, e hoje apenas funciona de segunda a sexta das 07h00min às 19h00min, bem como resultou num aumento considerável da fila de espera dos usuários para atendimento. Em virtude da falta de profissionais, percebe – se claramente os prejuízos para as crianças e adolescentes envolvidos, já que, conforme já esclarecido, estes representam 80% (oitenta por cento) do público que recebe atendimento no VIVER. Inclusive, em 2015 obteve-se um total de 561 (quinhentos e sessenta e um) atendimentos, sendo que destes, 440 (quatrocentos e quarenta) foram formados por crianças e adolescentes. Além disso, mister ressaltar que, com relação ao quesito gênero, mais de 95% das vítimas que chegam ao VIVER são do público feminino.

II – Resumo da Ação e/ou Medidas Judiciais; Extrajudiciais e/ou Políticas Adotadas: da tentativa de solucionar a questão extrajudicialmente

Na tentativa de solucionar a questão extrajudicialmente, tentou-se o agendamento de reunião com o Secretário de Segurança Pública, bem como de uma audiência com o Governador do Estado com a participação não apenas da Defensoria Pública, mas também de representantes do Ministério Público do Estado, do Tribunal de Justiça da Bahia e da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara Municipal de Salvador. No entanto, os pedidos de reuniões e audiências não foram atendidos. Além disso, foi elaborada a Nota Recomendatória Conjunta nº 001/2016, a qual foi encaminhada ao Secretário de Segurança Pública do Estado da Bahia, Sr. Maurício Barbosa, tendo sido recebida no dia 01/07/2016. E, com a perspectiva de sensibilizar o poder público estadual, cópias da referida nota também foram encaminhadas ao Chefe da Casa Civil do Estado, Secretário de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social. Outrossim, foi encaminhado ofício para a Secretaria de Políticas para Mulheres do Estado da Bahia para que ela pudesse intermediar as negociações com o Secretário de Segurança Pública e com o Governador do Estado de modo a sensibilizá-los a adotar todas as providências necessárias para criação de quadro próprio e permanente para o Projeto, por meio de realização de concurso público, e enquanto este ainda não fosse realizado, que o Viver fosse devidamente reestruturado, ainda que com quadro temporário.

Ressalte-se que a referida Nota Recomendatória foi objeto de Nota de Apoio assinada por 131 (cento e trinta e uma) pessoas que estavam presentes na audiência pública realizada no dia 20 de junho de 2016. Ademais, também foi enviada Nota Técnica para a manutenção do Projeto Viver no âmbito da Secretaria de Segurança Pública, haja vista que a desvinculação e subordinação à Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social implicariam num retrocesso ao enfrentamento e prevenção à violência, pois aquela Secretaria fornece recursos informatizados para a atuação do Serviço. Em verdade, o sistema implantado pela Secretaria de Segurança Pública, o qual o Viver tem acesso, permite que o Projeto obtenha dados imprescindíveis para a prevenção e repressão dos crimes de violência sexual. Além disso, conta com prontuário digital desenvolvido pela referida Secretaria, o que facilita o atendimento aos usuários e é importante para a complementação dos dados fornecidos pelo sistema integrado já mencionado. Ocorre que em várias tentativas de solucionar a questão no âmbito extrajudicial não foi obtido êxito. Deste modo, a Defensoria Pública ingressou com uma Ação Civil Pública, no mês de dezembro de 2016, perante a Vara da Fazenda Pública da Comarca de Salvador, com o intuito de assegurar os direitos de todos aqueles que precisam do Serviço Viver funcionando em seu perfeito estado.

III – Parceiros Envolvidos: da articulação com diversos setores

Após ter tomado ciência da situação precária na qual se encontrava o VIVER, por meio da reunião realizada no dia 07 de abril de 2016 na sede do Projeto localizada no Instituto Médico Legal, a Defensoria Pública provocou uma verdadeira articulação com diversos setores. Em primeiro de junho de 2016 foi realizada outra reunião para tratar sobre o tema que contou com a participação das Defensoras Públicas Gisele Aguiar e Laíssa Araújo, do Defensor Público Rodrigo Alves, bem como com a presença de vereadoras, participantes da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara, Aladilce Souza e Kátia Alves e assessores parlamentares. Nesta ficou estabelecida a necessidade de realização de uma audiência pública com o objetivo de chamar a atenção da sociedade para o problema. A audiência pública para tratar sobre a importância do Serviço Viver no enfrentamento à violência sexual aconteceu no 20 de junho de 2016, no auditório do Centro de Cultura do Legislativo soteropolitano, que reuniu entidades, órgãos, membros da sociedade civil, instituições e conselhos de defesa dos direitos das mulheres.

Não é demasiado enaltecer que a sociedade civil lotou o auditório do Centro de Cultura da Câmara de Vereadores de Salvador, e malgrado convidados, o Governador do Estado, tampouco o Secretário de Segurança Pública, pasta na qual está vinculada o Serviço Viver, compareceu ao evento. Dentre os participantes da sociedade civil, destaca-se, dentre outros presentes na Audiência Pública, o Coletivo Madás da Universidade Federal da Bahia, Movimento da População de Rua de Salvador, Fórum Comunitário de Combate à Violência da Universidade Federal da Bahia, o Coletivo de Mulheres do Calafate e Marcha Mundial das Mulheres. Após a referida audiência pública foram estabelecidos alguns encaminhamentos: definição de uma comissão para reunião com o Governador do Estado da Bahia, a realização do evento “Abraço ao Projeto Viver”, expedição de Nota Recomendatória pela Defensoria Pública e assinatura de nota de apoio à notificação recomendatória. No que diz respeito ao abraço simbólico, este foi realizado às 10h00min, na sede do Projeto, no dia 05 de julho de 2016, como forma de tentar chamar a atenção da comunidade baiana, bem como do poder público estadual sobre a necessidade de fortalecimento do VIVER, tendo repercutido em diversos meios de comunicação, Além disso, foi realizada, em 07 de dezembro de 2016, uma nova audiência pública para debater novamente a crise enfrentada pelo Projeto, cujo tema foi “15 anos do Serviço Viver: situação atual”, tendo sido organizada pela Comissão dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa da Bahia, presidida pela deputada Fabíola Mansur, em parceria com a Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.

IV – Resumo dos Resultados Obtidos

O serviço fornecido pelo VIVER representou uma ampliação do alcance da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia, na medida em que esta deixou de ser restrita aos modelos médico-pericial e investigativo e passou a fornecer uma assistência à vítima do crime, demonstrando que a segurança pública não se resume à atividade punitiva estatal, mas inclui também o acolhimento da vítima e dos familiares em momento de notável fragilidade. O Projeto Viver é considerado de extrema importância para a reestruturação daqueles que foram vítimas de violência sexual, afinal, apresenta em sua estrutura organizacional um quadro de diferentes setores que integram uma equipe multidisciplinar. No entanto, em que pese possua esse caráter evidentemente essencial e garantidor da dignidade da pessoa humana, o mesmo vem sendo verdadeiramente sucateado pelo Poder Público, o que representa, sob a ótica dos valores constitucionais, uma ofensa ao respeito às integridades física e psíquica das vítimas. Sendo assim, a Defensoria Pública, ao tomar ciência de toda a dificuldade que vinha sendo enfrentada pelo serviço, não tinha como permanecer inerte diante desse fato, o que ocasionou, primeiramente, a instauração do PADAC e, ao final, o ajuizamento da Ação Civil Pública, cujo objetivo principal foi a contratação de novos profissionais para atuarem no Viver.

Não obstante a ação civil pública ainda esteja pendente de julgamento, a atuação extrajudicial da Defensoria Pública com a mobilização da Sociedade Civil e da grande mídia, impôs que o Estado da Bahia despertasse para o problema do déficit de pessoal, inclusive, na última audiência pública realizada, diferentemente da primeira tiveram representantes do governo. Estes noticiaram que estão envidando esforços para a resolução do problema e que estão buscando profissionais junto a Secretaria de Saúde para encaminhá-los ao VIVER.

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