Este caso, apresentado pela Defensoria Pública da União, trata de direitos imigrantes, especialmente da situação dos imigrantes venezuelanos e da regularização migratória dos imigrantes haitianos no Brasil. A atuação da Defensoria Pública, por meio de seu Grupo de Trabalho (GT) Migrações e Refúgios, deu-se com a capacitação de agentes públicos, impetração de Habeas Corpus coletivo que evitou a deportação de cerca de 450 venezuelanos, o ajuizamento de uma Ação Civil Pública para permitir que os haitianos obtivessem registro de permanência mediante a apresentação de certidão de nascimento ou casamento traduzida por tradutor juramentado, além da elaboração de recomendações. Na apresentação detalhada do caso, estão disponíveis, também, fotos e vídeos.
Nome da/o(s) Participante(s):
Daniel Chiaretti – Defensor Público Federal
Gustavo Zortea da Silva – Defensor Público Federal
Roberta Pires Alvim – Defensora Pública Federal
Edilson Santana Gonçalves Filho – Defensor Público Federal
Vivian Netto Machado Santarém – Defensora Pública Federal
Instituição: Defensoria Pública da União – Gt Migrações e Refúgio
Estado: Abrangência Nacional
I – Resumo da Situação-Problema
A Defensoria Pública da União, por meio de seu Grupo de Trabalho (GT) Migrações e Refúgios, criado em 2014, atua estrategicamente na promoção da defesa dos direitos dos refugiados e imigrantes em situação de vulnerabilidade. Para isso, promove o monitoramento dos casos sensíveis relacionados à temática e atua individual e coletivamente para a proteção dos direitos fundamentais destes grupos. Dentre as ações do GT, destacamos a atuação estratégica na regularização migratória por razões humanitárias de grupos de imigrantes vulneráveis. Este modelo de atuação tem por objetivo identificar grupos que necessitam do apoio da Defensoria Pública, o que ocorre, em regra, através do contato com a sociedade civil organizada, e articular soluções que mitiguem os entraves legais que dificultam ou impedem a regularização migratória. Estes entraves decorrem, em regra, de um modelo normativo pautado pela Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro), a qual foi promulgada durante a ditadura militar e tem como parâmetro critérios inconstitucionais e inconvencionais, em especial uma opção pela segurança nacional em detrimento da proteção dos direitos humanos. Este modelo possui como uma das consequências a criação de diversas barreiras à regularização migratória, dentre as quais destacamos os altos custos, os entraves burocráticos e a própria inexistência de canais simples para a obtenção de documentação.
É importante destacar também que nem todos os grupos vulneráveis de imigrantes se encaixam no conceito de refugiado tal qual desenhado pela Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 ou a Lei nº 9.474/97. De fato, de acordo com este quadro normativo, apenas aquelas pessoas que sofram perseguições em razão de raça, religião, opção política etc., ou venham de países com graves e generalizadas violações de direitos humanos é que podem ter acesso ao refúgio. Com isso, determinados grupos que sofrem violações de outra natureza, como ambientais ou de direitos de índole socioeconômica ficam desprotegidos, tendo que recorrer às vias ordinárias de regularização migratória, as quais são muito mais complexas e caras. Daí porque se desenvolveu tanto no Brasil quanto no âmbito internacional, a chamada proteção complementar ao refúgio, na qual é reconhecida a necessidade de proteção a grupos que não se enquadram no conceito formal de refúgio. Dentro deste paradigma, destacaremos duas atuações da DPU em prol de haitianos e venezuelanos, conforme será exposto a seguir.
Diante do terremoto ocorrido no Haiti em 2010 e do consequente incremento do fluxo migratório de haitianos para o Brasil, o Estado brasileiro optou por adotar uma posição humanitária e criar um arcabouço normativo que facilitasse a entrada e regularização de haitianos no país. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Imigração (CNIg) aprovou, em janeiro de 2012, a Resolução Normativa nº 97/2012, por meio da qual permitiu a concessão de visto especial permanente, por razões humanitárias, aos nacionais do Haiti. Trata-se de um modelo claramente inspirado na proteção complementar ao refúgio. Em novembro de 2015, o Ministério da Justiça e o Ministério do Trabalho e Previdência Social, por meio de despacho conjunto, possibilitaram a permanência de aproximadamente 43.000 haitianos (indicados naquele ato administrativo) que haviam solicitado refúgio ao Brasil no período de 2010 até outubro de 2015. Para tanto, os imigrantes haitianos deveriam realizar registro junto à Polícia Federal, o que demandava a apresentação de determinados documentos, dentre os quais certidão de nascimento ou casamento traduzida por tradutor juramentado ou certidão consular. Ocorre que os beneficiários tiveram muitas dificuldades para exibir esse documento, pois a Polícia Federal somente aceitaria a certidão consular ou as certidões de nascimento e casamento traduzidas, bem como previamente legalizadas/consularizadas – apesar de esse segundo requisito não constar expressamente na Resolução. Ademais, a representação consular haitiana no Brasil não possui estrutura adequada para lidar com o crescente número de pedidos, dando ensejo à demora excessiva para a expedição. Nesse ponto, relevante destacar que a demora para a obtenção do documento se mostrava extremamente preocupante, pois o despacho impunha o prazo de apenas um ano para que o interessado procedesse ao registro. Além disso, para agilizar o processo, muitos haitianos optaram por viajar até a representação consular em Brasília, o que representava custo financeiro muito alto para uma população tão vulnerável, que também precisaria arcar com a taxa consular de emissão da certidão.
O aumento do número de venezuelanos em Roraima representa um recorde histórico e pode ser considerado o maior fluxo migratório internacional já registrado no estado desde a sua criação, em 1988 (exemplo de cobertura do caso pela imprensa nacional: https://www.cartacapital.com.br/internacional/a-crise-na-venezuela-cruza-a-fronteira-de-roraima). A grave crise econômica e política no país vizinho e as facilidades para cruzar a fronteira enchem as cidades de Roraima de venezuelanos em busca de insumos básicos como alimentação e medicamentos e também de uma nova vida. Nos últimos dois anos, os pedidos de refúgio de venezuelanos cresceram quase 7.000% no estado – cerca de 66 vezes. Trata-se de um fluxo misto de entrada de pessoas, ou seja, os imigrantes adentram o território nacional por diversos motivos: alguns desejam se fixar no país, enquanto outros apenas desejam estar transitoriamente no Brasil para conseguir renda e fugir da pobreza. Ainda, alguns desses imigrantes se encaixam no perfil de refugiados, relatando perseguições de cunho político. Outros apenas adentram o território nacional a fim de adquirir produtos brasileiros para o consumo próprio e de suas famílias. Há, ainda, grupos indígenas da etnia Warao. Em face deste aumento súbito de migrantes venezuelanos no ano de 2016, bem como da falta de preparo do Estado brasileiro para lidar com a situação, esses imigrantes têm sofrido diversas violações de direitos humanos, vivendo em condições precárias, sem chance de trabalhar ou estudar.
II – Resumo da Ação e/ou Medidas Judiciais; Extrajudiciais e/ou Políticas Adotadas
2.1. Medidas adotadas para permitir a regularização migratória dos haitianos
Diante do cenário apresentado, o qual foi relatado para a DPU inicialmente através da sociedade civil organizada, foram inicialmente expedidas recomendações ao Secretário Nacional de Justiça, ao Chefe de Departamento de Estrangeiros da Secretaria Nacional de Justiça e ao Chefe do Departamento de Cadastro e Registro de Estrangeiros visando ao abrandamento da exigência burocrática de legalização das certidões expedidas no Haiti (DOC. 1). Todavia, não foi propiciado por tais órgãos o diálogo necessário para a solução extrajudicial do problema. Assim, considerando a urgência da situação e a impossibilidade de solução extrajudicial do conflito, mostrou-se necessário o ajuizamento de Ação Civil Pública nº 00056516520164036100, em trâmite na 22ª Vara Federal Cível da Capital de São Paulo (DOC. 2), requerendo-se a declaração do direito dos imigrantes haitianos contemplados pelo despacho conjunto de obter o registro de permanência mediante a apresentação de certidão de nascimento e casamento traduzida por tradutor juramentado, independentemente de legalização/consularização.
Inicialmente, argumentou-se pelo cabimento da aplicação analógica dos direitos dos refugiados aos imigrantes haitianos devido à lacuna na disciplina jurídica do instituto da proteção complementar. Nesse caso, argumentou-se que o imigrante que possui razões humanitárias para permanecer no país – assim reconhecidas pelos órgãos de imigração – equipara-se ao refugiado. E, por esse motivo, é preciso reconhecer-lhe, por analogia, os direitos garantidos aos refugiados (art. 4º da LINDB, Decreto-Lei nº 4.657/1942), dentre os quais a flexibilização das exigências documentais, nos termos do artigo 6º da Convenção da ONU de 1951 (Estatuto dos Refugiados), bem como dos artigos 43 e 44 da Lei nº 9.474/1997. Em verdade, não seria razoável exigir que tais imigrantes houvessem consularizado/legalizado seus documentos antes de sair do Haiti para realizar esse procedimento ou obter uma certidão consular. Não estavam eles “nas mesmas circunstâncias” de imigrantes que vêm ao país em situação de normalidade e aos quais se aplica a determinação da Lei de Registros Públicos. Ademais, esses documentos se prestavam apenas a comprovar a filiação dos estrangeiros. Assim, impõe-se pesado ônus aos imigrantes haitianos para a comprovação de dados civis de menor relevância, o que não se coaduna com o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, o qual veda a imposição de ônus excessivo ao exercício de um direito fundamental. Por fim, em razão do periculum in mora, caracterizado pelo exíguo prazo de um ano que possuíam os imigrantes para formular o pedido de permanência, foi requerida a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional.
2.2. Ação conjunta para aprovar medidas para a regularização migratória de venezuelanos
A ação no caso dos imigrantes venezuelanos se iniciou coletando informações de integrantes da sociedade civil que possuem contato direto com esse grupo. Constataram-se os problemas enfrentados pelos venezuelanos, buscando-se uma resolução extrajudicial das dificuldades. Dentre os problemas relatados estava a deportação e a demora no agendamento para a solicitação de refúgio da Polícia Federal. O agendamento estava ocorrendo para datas posteriores a um ano. Isto gerava uma grande dificuldade para a entrada destas pessoas no mercado de trabalho, uma vez que, sem a solicitação de refúgio, estes migrantes não tinham acesso à carteira de trabalho. Apontou-se também a ausência de uma política social para tratar o tema da migração no Estado. Estes problemas foram levados para reuniões com a Polícia Federal local, bem como ao Gabinete de Gestão Migratória instalado pelo Governo do Estado.
O Grupo de Trabalho também observou uma deficiência técnica de agentes públicos em lidar com esse novo fluxo. Desta forma, a Defensoria Pública da União enviou cópia do Manual de Regularização migratória elaborado pelo Grupo de Trabalho para ONGs, secretarias de assistência social, Universidade Federal de Roraima e Defesa Civil. A finalidade do Manual é instruir os agentes públicos que estão em contato direto com os imigrantes venezuelanos de todas as possibilidades existentes de regularização migratória, para que possam encaminhá-los para os órgãos competentes e multiplicar as informações na rede de atendimento a este público. Nesta fase, obtivemos o apoio da ACNUR que forneceu cartilhas sobre os direitos dos refugiados no Brasil e seu procedimento, que também foram entregues aos mesmos agentes. No dia 09 de dezembro de 2016, o Grupo de Trabalho evitou a deportação de 450 venezuelanos através da impetração do habeas corpus coletivo nº 64478720164014200, que tramitou na 4º Vara Federal em Roraima (DOCS. 3 e 4). Este grande grupo foi surpreendido na madrugada por uma grande operação da Polícia Federal que contou com o apoio da Polícia Militar e Guarda Civil, sendo levado à Superintendência da PF, onde passou por um procedimento sumaríssimo de deportação. Os estrangeiros, entre eles jovens e crianças, estavam alojados na sede sem poder estabelecer contato com representantes da sociedade civil que desejavam orientá-los e prestar assistência. Esta não tinha sido a primeira vez que o Brasil tinha realizado deportação em massa. Em setembro de 2016, a PF havia deportado 200 pessoas de Pacaraima (cidade fronteiriça com a Venezuela), dentre elas 130 adultos e 70 crianças, em sua maioria indígena da etnia Warao. A partir de então, o Grupo de Trabalho iniciou um diálogo com o Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e diversas ONGs para provocar o Estado Brasileiro a se posicionar quanto ao status migratório destas pessoas, bem como para evitar que novas deportações em massa ocorressem no Estado. Esta ação resultou em uma recomendação ao CNIg (Conselho Nacional de Imigração) em que se sugere a criação de um Grupo de Trabalho para, de forma mais célere possível, trabalhar e propor uma resolução que contemple o quanto possível as seguintes situações (DOC. 5): I. Regularização da situação migratória de venezuelanos que não sejam solicitantes de refúgio ou que não desejam pedir proteção através deste instituto; II. Acesso célere ao procedimento de regularização migratória, com acesso à CTPS, durante a tramitação do procedimento; III. Acesso a uma residência provisória, por 2 (dois) anos, nos moldes do que ocorre no Acordo de Residência do Mercosul e Estados Associados (Decreto n° 6975/2009); IV. Possibilidade de convalidação da permanência após o período de 2 (dois) anos, durante o qual a situação política da Venezuela pode se alterar, diminuindo a importância deste modelo de regularização migratória
Em resumo, as medidas adotadas pelo GT Migrações e Refúgios foram: a) Capacitação de agentes públicos do Estado de Roraima com o fornecimento do Manual de Regularização Migratória elaborado pelo Grupo de Trabalho; b) Impetração de Habeas Corpus coletivo que evitou a deportação de cerca de 450 venezuelanos; c) Expedição de uma Recomendação conjunta com outros órgãos públicos e entidades da sociedade civil ao CNIg, buscando alternativas para a regularização migratória de Venezuelanos.
III – Parceiros Envolvidos
A Missão Paz e IMDH no caso dos haitianos Antes do ajuizamento da Ação Civil Pública, foi estabelecida importante cooperação com a Missão Paz (Pia Sociedade dos Missionários de São Carlos), instituição que busca acolher e integrar os imigrantes e refugiados em São Paulo, bem como o IMDH (Instituto Migrações e Direitos Humanos), pioneira instituição dedicada à defesa de imigrantes e refugiados de Brasília. Por meio do contato com estes órgãos foi possível compreender melhor todas as nuances do problema que a burocracia da Polícia Federal estava gerando aos imigrantes haitianos, dando maiores subsídios à ação judicial proposta. 3.2. O contato interinstitucional e com a sociedade civil no caso dos venezuelanos Os trabalhos desenvolvidos no Estado de Roraima contaram com a parceria de ONGs locais como a Fraternidade Internacional e o Centro de Migrações e Direitos Humanos de Roraima, bem como o Ministério Público Federal. No que tange à instrução de agentes públicos, a ACNUR forneceu material didático sobre o procedimento de refúgio que foi entregue aos colaboradores do Estado e municípios de Boa Vista, Pacaraima e Bonfim. A elaboração da Recomendação ao CNIg foi um resultado de um trabalho em conjunto da Defensoria Pública da União, representada pelo Grupo de Trabalho de Migrações e Refúgio, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e diversas ONG’s (Instituto Migrações e Direitos Humanos, Conectas Direitos Humanos, Missão Paz, Instituto Igarapé, Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro, Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, Fundación Avina).
IV – Resumo dos Resultados Obtidos
A concessão de antecipação de tutela na Ação Civil Pública para a regularização migratória dos haitianos Em 12 de julho de 2016, foi concedida a antecipação de tutela requerida na Ação Civil Pública para permitir que os haitianos contemplados pelo despacho conjunto obtenham o registro de permanência mediante a apresentação de certidão de nascimento ou casamento traduzida por tradutor juramentado, independente do procedimento de legalização/consularização (DOC. 6). De acordo com o MM. Juiz Federal, não cabe à Polícia Federal fazer exigência não contemplada pela Resolução Normativa nº 97/2012, o que contraria frontalmente o princípio da legalidade, previsto no art. 37, caput, da CF. Ademais, reconheceu a necessidade de equiparação dos imigrantes haitianos que adentraram no território nacional por razões humanitárias aos refugiados, concedendo-lhes os direitos garantidos na Lei nº 9.474/97. Por fim, o MM. Juízo considerou relevantes os argumentos da Defensoria Pública da União no sentido de que a legalização/consularização das certidões gera atrasos na regularização migratória dos haitianos, bem como ocasiona excessivo dispêndio de dinheiro por população reconhecidamente vulnerável. A União Federal recorreu da decisão liminar por meio de agravo de instrumento ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Contudo, em dezembro de 2016, a Quarta Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso, reconhecendo o estado de vulnerabilidade dos imigrantes haitianos, bem como aplicando por analogia ao visto humanitário os benefícios previstos aos refugiados (TRF3, AI nº 0013788-03.2016.4.03.0000/SP, Rel. Desembargadora Federal MARLI FERREIRA, DJ: 07/12/2016, DJe: 20/01/2017). 4.2. A solução extrajudicial de conflitos e a regularização migratória dos venezuelanos Seguindo a Recomendação expedida pela Defensoria Pública da União em conjunto com diversas entidades da sociedade civil e órgãos públicos voltados à proteção dos direitos humanos, foi editada pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg) a Resolução Normativa nº 126, de 02 de março de 2017, nos termos da qual “poderá ser concedida residência temporária, pelo prazo de até 2 anos, ao estrangeiro que tenha ingressado no território brasileiro por via terrestre e seja nacional de país fronteiriço, para o qual ainda não esteja em vigor o Acordo de Residência para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL e países associados” (DOC. 7). Assim, o Estado brasileiro, de modo vanguardista, posicionou-se de maneira a garantir os direitos migratórios e, em última instância, os direitos humanos desses imigrantes venezuelanos que, com a regularização de sua situação, poderão trabalhar e prover o sustento de suas famílias, bem como usufruir de direitos básicos.
Contudo, a atuação do GT Migrações e Refúgios da Defensoria Pública da União não se esgota com a obtenção da regularização migratória dos imigrantes, indo além para garantir-lhes direitos fundamentais protegidos pela Constituição Federal, tais como a saúde e a educação. No caso dos venezuelanos, a Defensoria Pública da União iniciou em março de 2017 outras duas tratativas extrajudiciais a fim de permitir a efetivação plena dos direitos migratórios garantidos pela Resolução do CNIg, bem como o exercício do direito fundamental à educação. Primeiramente, no que tange à efetivação plena dos direitos migratórios dos venezuelanos, está sendo trabalhada, juntamente com o Ministério Público Federal, um pedido ao Ministério da Justiça e Segurança Pública a fim de que seja editada regulamentação que reduza das taxas cobradas para imigrantes em geral, mas em especial aqueles que solicitem a residência temporária com base na Resolução Normativa CNIg nº 126/2017. Trata-se de recomendação que se baseia nos princípios da vedação ao confisco e da capacidade contributiva, uma vez que a cobrança das taxas exorbitantes previstas na Portaria n° 927/2015 do MJ a imigrantes em situação de vulnerabilidade pode anular quase que totalmente os efeitos práticos da Resolução Normativa CNIg nº 126/2017. De fato, a título de exemplo, destacamos que uma segunda via da Carteira de Identificação de Estrangeiro custa R$ 502, valor excessivo para um grupo tão vulnerável. Outrossim, para garantir o direito fundamental à educação, foi expedido ofício ao Ministério da Educação, relatando as dificuldades dos imigrantes venezuelanos em matricular seus filhos em idade escolar nos estabelecimentos de ensino público de Roraima (DOC. 8). Com efeito, as Secretarias Estadual e Municipal de Ensino vêm exigindo a tradução dos documentos escolares das crianças venezuelanas por tradutor juramentado, bem como a sua legalização por autoridade consular brasileira na Venezuela. Tais exigências mostram-se totalmente descabidas, tendo em vista a situação de vulnerabilidade social e econômica desses imigrantes, bem como a impossibilidade de retornarem a seu país de origem por razões humanitárias. Nesses termos, busca-se mais uma vez, a cooperação dos órgãos governamentais para a resolução extrajudicial do conflito, evitando, assim, a burocrática e demorada atuação junto ao Poder Judiciário.
A litigância estratégica, nesses casos, envolveu a aproximação da Defensoria Pública a outros órgãos públicos e com a sociedade civil. Durante este processo, buscou-se sempre privilegiar a solução extrajudicial dos conflitos (o que foi possível no caso envolvendo a comunidade venezuelana), mas sem descartar a via judicial (como ocorreu no caso dos haitianos e nas deportações de venezuelanos). Vale ressaltar, ainda, a utilização de vias vanguardistas na via judicial, como a impetração de habeas corpus coletivo para a defesa de uma coletividade de difícil individualização. Ademais, a constante articulação com a sociedade civil e os próprios imigrantes permite o empoderamento dos interessados, especialmente através da educação em direitos. Este modelo de articulação está se tornando paradigmático para o GT Migrações e Refúgio da Defensoria Pública da União, instituição que cada vez mais ganha destaque no debate sobre migrações e refúgio no Brasil.