Este caso, apresentado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, trata de execução penal e dos direitos de crianças e adolescentes e das mulheres, gestantes e lactantes, inseridas no sistema prisional, espaços não pensados com foco condição mulheres em condição de acompanhamento de pré-natal, porto e pós-parto. A atuação da Defensoria Pública se deu mediante visitas à Penitenciária Talavera Bruce e à Unidade Materno Infantil, ajuizamento de ações individuais e de um Ação Civil Pública, além da elaboração de recomendações e de um modelo de tese institucional para postulação da liberdade e da prisão domiciliar das presas gestantes, lactantes e com filhos até a idade de 12 anos. Na apresentação detalhada do caso, está disponível, também, a resolução elaborada.
Nome da/o(s) Participante(s):
Arlanza Rebello – Defensora Pública
Ricardo André Souza – Defensor Público
Emanuel Queiroz Rangel – Defensor Público
Lívia Casseres – Defensora Pública
Daniel Lozoya – Defensor Público
Melissa Razuk Serrano – Defensora Pública
Instituição/Organização/ Movimento Social: Defensoria Pública
I – Resumo da Situação-Problema:
São também autores os seguintes Defensores Públicos (não incluídos acima por falta de espaço no formulário): Daniela Calandra, Patrícia Fonseca Carlos Magno, Thaísa Guerreiro de Souza e Roberta Fraenkel. No Ano de 2015, o Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher e de Vítimas de Violência de Gênero (NUDEM), ampliou sua esfera de atuação passa a tratar de casos de violência institucional e obstétrica.
Com isso, o interesse pelas condições de prisão de mulheres e em especial de mulheres grávidas foi consequência natural, diante da notória falência do sistema prisional brasileiro e do crescente aprisionamento de mulheres – vítimas exemplares da violência institucional, uma vez que estes espaços não são pensados com focos nas suas necessidades particulares e, na condição de grávidas, vítimas da violência obstétrica, dadas as condições aviltantes de acompanhamento pré-natal, parto e pós-parto. O trabalho teve início com a aplicação de questionário sobre condições e tratamento de saúde às mulheres, internas da Unidade Materno Infantil do sistema prisional do estado do Rio de Janeiro.
Como resultado, ficou evidente a fragilidade do acompanhamento pré-natal, sem consultas médicas e exames previstos (fato este que já era objeto de ação civil pública movida pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos – NUDEDH – desde 2014, mas com sentença de improcedência em primeira instância – autos nº. 0220470-75.2014.8.19.0001); os maus tratos por parte dos agentes penitenciários; ausência de transporte por ambulâncias no momento em que eram encaminhadas aos hospitais para o parto e/ou assistência médica de urgência; grandes esperas pelo socorro e transporte em viaturas do SOE; partos ocorridos nas dependências prisionais ou a caminho da unidade hospitalar; condições de tortura uma vez que muitas permaneciam algemadas não só no trajeto para o hospital, como durante todo o trabalho de parto. Tudo isso silenciado por uma enorme repressão e violência moral exercida sobre as internas.
No mês de setembro de 2015, uma denúncia anônima concretiza todos os horrores apurados e vividos pelas mulheres encarceradas no estado do Rio de Janeiro, quando a interna Bárbara Oliveira de Souza dá à luz uma menina, no cubículo 13 do isolamento da unidade prisional Talavera Bruce. Ocorre que o caso de Bárbara desvelou muito mais do que as condições aviltantes de gestantes no sistema prisional do Rio de Janeiro: revelou as condições e o desrespeito sistêmico aos direitos humanos das mulheres privadas de liberdade, condição essa resultante de perversas intersecções de vulnerabilidades, considerando a grande maioria desta população é negra, muitas viviam em situação de rua antes de chegar ao cárcere ou conviviam com problemas resultantes do uso abusivo de drogas ilícitas e outras tantas são ainda pessoas com transtorno mental grave.
O contexto de interseção de vulnerabilidades, materializado no corpo de Bárbara (mulher negra, com transtorno mental grave, em situação de rua previamente à sua detenção e que fazia uso nocivo de crack) impôs, desta forma, um olhar múltiplo, envolvendo a atuação dos vários núcleos especializados da Defensoria Pública – NUDEM; NUDEDH; NUSPEN (Núcleo do Sistema Penitenciário); COORDENAÇÃO DE DEFESA CRIMINAL, CDEDICA (Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente).
A atuação conjunta começou a se desenhar em reuniões onde todos os aspectos do caso eram levantados, ao mesmo tempo em que tínhamos a exata percepção da sua importância enquanto porta de entrada para um outro nível de trabalho, uma vez que tais condições sempre foram “maquiadas” e “silenciadas” por um sistema onde a violência institucional é a tônica. Pode-se perceber ainda nos encontros realizados entre os Defensores das mais diversas áreas que a atuação universalista focada na defesa criminal padronizada não dava conta de absorver as questões de gênero envolvidas no aprisionamento, sobretudo considerando as mulheres grávidas, lactantes e mães de crianças de tenra idade.
Apurou-se ainda que no caso específico da denúncia recebida (Caso Bárbara), a grávida havia sido detida pelo Estado aos 15/05/2015 por suposta prática de conduta delituosa (apurada na ação penal de autos nº 0199276-82.2015.8.19.0001) e somente veio a ser transferida para unidade prisional com acompanhamento especializado de saúde (Instituto Penal Talavera Bruce), em 28/08/2015, quando foi submetida a breve avaliação da enfermeira Ana Lucia Gomes Salles (COREN/RJ 104.409), por volta das 16h15min.
No período compreendido entre a sua captura pela autoridade policial e a data em que Bárbara deu à luz (15/5/2015 a 11/10/2015), o serviço de saúde do sistema prisional lhe ofereceu: uma consulta de enfermagem, no seu ingresso no instituto Penal Talavera Bruce (28/02/2015), vacinação recomendada pelo Ministério da Saúde como parte do Programa de Imunização para gestantes (recebida em 11/09/2015 e uma consulta pré-natal obstétrica (04/09/2015) e avaliação psiquiátrica no Hospital de Custódia Roberto de Medeiros (25/09/2015).
A ultrassonografia requerida na consulta médica pré-natal jamais chegou a ser realizada, conforme relatório circunstanciado da enfermagem do Instituto Penal Talavera Bruce. Conforme apurado por meio de procedimento administrativo instaurado pela Vara de Execuções Penais (autos de nº 2015.0188272-2), mesmo contando com quarenta e uma semanas de gestação, Bárbara teve como resposta a seus problemas e dificuldades de relacionamento com as agentes penitenciárias causados pela sua situação de confusão mental, a punição e isolamento em um cubículo insalubre e fétido – o cubículo 13 do Pavilhão 02.
Relatos colhidos das detentas apontam que, desde cedo do dia 11/10/2015, já trancada no isolamento, Bárbara pedia socorro, dizendo que estava parindo, não sendo atendida pelos servidores da unidade prisional. Bárbara só foi atendida quando demais detentas perceberam que a mesma já havia dado à luz a uma menina, CRISMAR, sozinha, no interior do citado cubículo 13.
Dez dias após o parto, em 23/10/2015, em visita realizada pela autoridade judicial à unidade para apurar a denúncia anônima recebida pela Vara de Execuções Penais, o juiz Richard Robert encontrou Bárbara trancada no mesmo cubículo, de posse apenas de uma pulseira rosa que seu bebê havia recebido no Hospital Albert Schweizer, em estado de absoluto abandono, sem notícias sobre a filha e sem cuidados médicos, totalmente negligenciada.
II – Resumo da Ação e/ou Medidas Judiciais; Extrajudiciais e/ou Políticas Adotadas:
A Coordenadoria Criminal, em parceria com o NUDEM, NUDEDH, CDEDICA, NUSPEN e Coordenadoria de Saúde passaram a analisar o caso de forma transversal e a adotar medidas de caráter individual e coletivo visando reparar os danos sofridos individualmente pela Sra. Barbara, bem como visando evitar que novas violações sistêmicas dos direitos das mulheres privadas de liberdade viessem a ocorrer.
Aos 11 de novembro de 2015, realizou-se visita à Penitenciária Talavera Bruce e à Unidade Materno Infantil, para atendimento pessoal às presas gestantes da unidade por parte das Defensoras do NUDEM e NUDEDH, bem como com o fito de realizar vistoria na Unidade Prisional e verificar as condições do aprisionamento de mulheres, especialmente gestantes e lactantes.
Durante a visita realizada, foram entrevistadas vinte e cinco internas, com aplicação de um questionário elaborado pela Coordenação do NUDEM, no intuito de obter o panorama sobre as situações de violação de direitos humanos das presas. Foi constatada a existência de diversos relatos de violência institucional, ausência de atendimento médico, tortura física e psicológica contra as internas. Além disso, várias detentas confirmaram os fatos ocorridos com a Sra. Barbara e revelaram outros partos que ocorreram no interior da Unidade Prisional dentro das próprias celas.
Paralelamente, foi prestado atendimento à Sra. Barbara, bem como à sua família, com a finalidade de postular sua liberdade no processo criminal, bem como de recolocar sua filha sob a guarda da família extensa, preservando-se assim os laços familiares da criança.
Neste contexto, adotaram-se as seguintes medidas: i) no plano individual, foi proposta ação de guarda em favor da família extensa da criança, foi formulada proposta de acordo extrajudicial à Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro, com intuito de reparar os danos materiais e morais sofridos pela Sra. Barbara e sua prole; ii) no plano coletivo, foi expedida recomendação à Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, a fim de: assegurar atendimento médico preventivo e curativo às presas, garantir forma de comunicação célere e efetiva entre estas e a equipe de saúde da unidade; providenciar transporte às presas grávidas em ambulância com suporte avançado, destacar celas com estrutura física diferenciada para as presas gestantes; distribuir kits higiene diferenciados considerando as necessidades específicas das mulheres presas; iii) ainda no plano coletivo, foi produzido modelo de tese institucional para postulação da liberdade e da prisão domiciliar das presas gestantes, lactantes e com filhos até a idade de 12 anos, centrado em fundamentação jurídica específica relacionada à desigualdade de gênero e à especial vulnerabilidade vivenciada por mulheres em situação de privação de liberdade; iv) no plano da atuação interna da Defensoria Pública, foi editada Resolução nº. 819/2016 (que estabeleceu a Política Institucional de Atenção às Mulheres Grávidas, Lactantes e Mães de Crianças de até doze anos ou com deficiência, Privadas de Liberdade), destinada a todos os membros da instituição, de modo a integrar a atuação dos Defensores de Varas Criminais, Unidades Prisionais, do NUDEM, do NUDEDH e da Coordenação Criminal, e culminar no exercício da defesa criminal com maior efetividade e celeridade, bem como considerando as especificidades da privação de liberdade para as mulheres.
III – Parceiros Envolvidos:
Coordenação de Defesa Criminal da DPRJ, Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher e de Vítimas de Violência de Gênero, Coordenadoria de Defesa da Criança e do Adolescente, Defensoras em atuação no Núcleo do Sistema Penitenciário, Coordenadoria de Saúde e Tutela Coletiva.
IV – Resumo dos Resultados Obtidos:
A partir da litigância estratégica e coordenada desencadeada pelo caso da Sra. Barbara, tornou-se possível o exercício da defesa criminal da mulher privada de liberdade com atenção para as especificidades de gênero, o que resultou numa ampla melhoria da qualidade e da efetividade do acesso à justiça proporcionado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.
Não bastasse isso, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária passou a buscar melhorias nas condições de encarceramento das mulheres privadas de liberdade, tal como a realização tratativas para celebração de parceria daquela Secretaria com o Município do Rio de Janeiro, para prestação de assistência à saúde das gestantes por meio do serviço municipal de atenção à saúde da gestante, provido de profissionais e recursos específicos (Projeto Cegonha).
Ademais, a ampla mobilização gerada pelo Caso Bárbara foi determinante também no julgamento de recurso de apelação na Ação Civil Pública de autos n. 0220470-75.2014.8.19.0001. Em 07/03/2017, o Tribunal de Justiça condenou o Estado do Rio de Janeiro a prestar assistência médica especializada, preventiva e curativa, às mulheres privadas de liberdade.
Não menos importantes são os resultados obtidos por meio da litigância individual nos processos criminais (de acordo com o novo fluxo estabelecido na nova Resolução nº. 819/2016), foram acolhidos inúmeros pedidos de revogação ou substituição da prisão preventiva por outras medidas cautelares menos gravosas, bem como providos diversos habeas corpus pelo Egrégio TJRJ, com a mesma finalidade, valendo-se a equipe de Defensores dos modelos coletivamente construídos e fundados na defesa criminal específica da mulher.
No período compreendido entre o dia 30 de Novembro de 2015 e 09 de Fevereiro de 2017, a Coordenadoria Criminal da Defensoria Pública recebeu informações quanto a 97 (noventa e sete) presas em período gestacional ou aleitamento. Destas, 62 (sessenta e duas) são gestantes e 35 (duas) lactantes. Das 62 (sessenta e duas) presas gestantes cujas informações nos foram repassadas temos que: 50 são assistidas pela Defensoria Pública, o que corresponde a 80,6 % dos casos.
Todos os juízos de seus respectivos processos foram informados da gestação das presas, seja por ofício ou por petição nos autos do processo, o que inclui as presas patrocinadas por advogados particulares. Foram protocolizados 35 pedidos de Revogação da Prisão Preventiva e/ou Prisão Domiciliar. 45,7% destes pedidos foram deferidos. Foram impetrados 10 (dez) Habeas Corpus em favor das presas gestantes. Outros 5 (cinco) pedidos diversos foram feitos, tais como, pedidos de transferência, expedição de CES e requerimento de documentos. 08 (oito) presas já tinham execução em curso na Vara de Execuções Penais.
Das 35 (trinta e cinco) presas lactantes cujas informações nos foram repassadas no período em tela temos que: 25 são assistidas pela Defensoria Pública, o que corresponde a 77,1% dos casos. Foram protocolizados 15 pedidos de Revogação da Prisão Preventiva e/ou substituição por Prisão Domiciliar. Apenas 26,6% destes pedidos foram deferidos. Foram impetrados 10 (dez) Habeas Corpus em favor das presas lactantes. 09 (nove) presas encontram-se em cumprimento de pena junto a Vara de Execuções Penais deste Estado.
V – Documentos